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domingo, 26 de dezembro de 2010

Ronald Augusto, il miglior (des) fabbro 2: ou na falta de guias de leitura para alguma poesia.


Na primeira avistação do poema nada entendemos:
é como há muito tempo a tantos ripongas ensinamentava Carl Jung
: era o mesmo para qualquer obra de arte
um mundo de pré-significado
não como entendem alguns a noção de primeiridade de Charles Sanders Peirce
a pura qualidade morta na obra
estamos a falar da primeiridade da leitura
o pressentimento do sentido
lugar no tempo onde se encontra talvez o sentido mais fascinante do poema e de toda obra de arte
aquela pré-significação em nossa mente leitora que nos empurra para o desejo irresistível
de saborear mais e mais

Para o psicanalista suíço a significação nada tinha a ver com arte:
assim tenho seguido seu apostolado

Assim também tenho já lido muitos dos poemas do poeta Ronald Augusto
numa leitura rápida sem entender nada
absolutamente nada
numa primeira leitura primária
esperando atingir uma certa exaltação de espírito que
no caso
me atinge apenas em pequenos flashes
micro-instantes porém incrivelmente intensos
naquele primeiro instante
que em mim permanece
e o fascínio almejado
alcanço já, por meio destes

é de maneira caótica que pressinto sem entender nada de
toda e qualquer obra do poeta R.A.
assim se dá de minha parte
uma leitura não de acordo com um trabalho tão "regrista" (ou "regralista")
do X poeta que não tem nada de caótico em seu discursar
posso dizer que sua rarefeita (por assim ser) poesia me permite ler como prescreve Jung

e de que forma é possível essa incoerência do meu leitor eu? (com o regrismo da neo-língua do poeta)
leio como Jung ensinou, está claro
deixo fluir a leitura e pouco me importa compreender
não acho justo ter que me esforçar para entender o poema
pois o esforço me impediria de fruir a leitura do poema, o que tem sabor (
mais ou menos como havia ensinado que se escreve um poema
um cara como Allen Ginsberg : o primeiro pensamento, o melhor pensamento
-  aqui:  primeiro despensamento, melhor despensamento)

por outro lado, saboreio os poemas de Ronald aos fragmentos, e outros pedaços
vou deixando para depois, aqueles que não pré-compreendo, migalhas
que uns já ousariam ir pondo no lixo
e que deixo para a sobremesa luxuosa

me falta é COMPETÊNCIA LEXICAL para abarcar o vasto vocabulário
mais que um Aurelião na cabeça
um Houaiss cheio de arcaísmos
um dicionário de não-sei-qual língua africana
muito de alemão latim & otras cositas
para ler de uma vez sua poesia com o sobre-merecido encanto total
(e sei apenas saborear)
Piorando o troço, cada trecho pode ser um desvio, inscrito numa sintaxe de eixo em múltiplas bifurcações
pertencente a um multi-eixo sintagmático
Pra piorar, uma imagem pode estar do avesso, sinestésica, o visto entrando pelo ouvido, ou o contrário, e todos
os sentidos do corpo se alternando no poema
("... um som de água opaca")
("... o vento
no coque dos pinheiros calmo
geme como se
se prestasse a seda sendo
arrastada através de um espinheiro)
(Dois por exemplos de "No assoalho duro", de Ronald)

E depois, ainda, o incontável uso das elipses, e quem sabe quanto uso de
eclipses de vocábulos e estruturas sintáticas

não tenho uma gestalt pra pressentir todo o todo necessário

...

Ora, como muito se tem dito deste tipo de canalha
como eu tenho dito
como fica o leitor?
uns dizem: Ronald Augusto escreve em língua estranha
CLARO: uma língua des-interplanetária
os planetas o lêem permanecendo cada qual em sua "solidão de estrela",
como no poema de Ungaretti
mas não havendo a mesma conjunção que é figurada naquele (poema)
porque não temos ainda o necessário foguete ou antena para chegar
onde deveríamos

por outro lado, vejamos:
Maiakóvski era um poeta do povo, usina como fosse
não um cabo ou torre de distribuição de energia mas
INCOMPREENSÍVEL PARA AS MASSAS
queria elevar a (abandonada palavra esta agora) cultura do povo à sua própria

Podemos copiar o velho e morto e bem enterrado Stalin
e rebaixar toda a vanguarda do conhecimento ao quase-nada
e desensinar aos poetas a arte da expressão forte
transformando-a em uma arte da expressão comunicativa mais corriqueira
um realismo ou facilismo linguístico for all
ou no caso
para todos os letrados
já que o forró das multidões não demonstra em absoluto desejar a poesia

que fazer com essa deslíngua aqui, de Ronald:

sen pavor ni
favor y ben andante
nom falei ren
pero que falecido de sen
me fosse permitido
mui passo
a paso a
pas
pisar chão frolido
de fácil y fóssil
paleografia
empero
posfaçador
maltreito y
quitado de mesuras
só en ment'avia án
der schreibmaschine
sitzen und
blättern mia
neografia trobar ric de obá clus
scriptio defectiva
poethik polyglott
wit de
paroles en équilibre instable
u le papier (le blanc
) intervient feito
eidos



?
lixo, e vamos logo a algo que nos aproxime mais das massas, algo que, que no final do 1 + 1 não acrescente nada.

Mas, se você quiser dar uma idinha aos muitos dicionários e uma entradinha nos muitos desvios aonde pode nos levar a sintaxe e a imagética errante de Ronald Augusto e voltar ao mesmo poema deste Ronald amanhã, talvez tenha a grata surpresa de descobrir que o mesmo poema não é o mesmo, ele é mais que o mesmo, e o mesmo que você não podia ainda perceber.

Assim como eu, leitor junguiano sempre, que não pretendia mudar minha maneira de fazer contato com outras civilizações poéticas, quis e fiz, mas voltando e voltando, lendo sempre como da primeira vez seus poemas, e sempre podendo saboreá-los, e sempre, até saboreá-los, cada um deles, no seu TODO.

Ronald Augusto, mais do que popular, é primitivo sempre. E a complexidade de sua civilização primitiva é que nos desconcerta, a complexidade de sua língua e sua percepção. A primariedade está sempre ali, na sua total complexidade, nas formas que não podemos, às vezes, perceber.

Um ex-professor meu dizia que (e ouviu de outro, seu professor), no mais das vezes, quando não entendemos um poema,
é porque ele está mal escrito mesmo. (Luís Augusto Fischer)
No caso de R. Augusto, nunca duvide que a incopetência é nossa, não do emissor.

Quanto a mim, particularmente, como um Colombo que chega depois, descobri esta civilização primitiva e complexa que nos contesta. Que nos desloca, nos embaralha as idéias e nos faz voltar e voltar.

Eu, lendo sempre como quem existia antes (E assim não sendo). Eu, um hermeneuta incapaz.
Antopofagizando a carne dos seus poemas aos poucos, como os podia digerir.

Agora, começo a tomar posse deste território como meu (E assim não sendo).
Já sei sua língua própria dele.

Comentário autocrítico por Adriandos Delima

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