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terça-feira, 17 de abril de 2012

Nova mini-antologia de poemas catalães do século XX, tradução Adrian dos Delima.



Nova mini-antologia de poemas catalães do século XX.

Jornal vanguardista editado por Joan Salvat-Papasseit. Este número, de março de 1919,  incluia colaborações de Joaquim Folguera, pouco antes da sua morte.



1 - Joan Salvat-Papasseit (Barcelona  1894 –  1924)
2 - Joaquim Folguera i Poal (Santa Coloma de Cervelló, Barcelona,  1893 - Barcelona 1919)


1 - Joan Salvat-Papasseit (Barcelona  1894 –  1924), considerado o principal nome das vanguardas em língua catalã. Autor de uma poesia influenciada pela tradição literária catalã, porém pelo futurismo e pelo cubismo. Sua poesia reflete diretamente a sua vivência. Morre jovem e não alcança grande repercussão internacional em sua época, porém, tendo inúmeros poemas musicados a partir dos anos 60, se torna, retrospectivamente, o maior nome da poesia catalã do início do século XX.



RES NO ÉS MESQUÍ
A Josep Obiols

Res no és mesquí
ni cap hora és isarda,
ni és fosca la ventura de la nit.
I la rosada és clara
que el sol surt i s'ullprèn
i té delit del bany: 
que s'emmiralla el llit de tota cosa feta.
Res no és mesquí,
i tot ric com el vi i la galta colrada.
I l'onada del mar sempre riu,
Primavera d'hivern — Primavera d'estiu.
I tot és Primavera:
i tota fulla verda eternament.
Res no és mesquí,
perquè els dies no passen;
i no arriba la mort ni si l'heu demanada.
I si l'heu demanada us dissimula un clot
perquè per tornar a néixer necessiteu morir.
I no som mai un plor
sinó un somriure fi
que es dispersa com grills de taronja.

Res no és mesquí
perquè la cançó canta en cada bri de cosa.
—Avui demà i ahir
s'esfullarà una rosa:  
i a la verge més jove li vindrà llet al pit.
(L'irradiador del port i les gavines - 1921)


NADA É MESQUINHO
A Josep Obiols

Nada é mesquinho
nem hora alguma é áspera,
nem é de sombra o destino da noite.
E a geada é tão clara
que enche o sol de fascínio
do banho indo ao deleite:
tal que cada coisa pronta o leito as reflita.

Nada é mesquinho,
e tudo é rico tal vinho e a face corada. 
E toda onda do mar sempre riu,
Primavera de inverno – Primavera de estio.
E tudo é Primavera:
e toda folha verde eternamente.

Nada é mesquinho,
porque os dias não passam;
e não chega a morte nem por ser demandada.
E se hás demandado ela te finge uma cova
porque da morte
pra tornar a nascer necessitas.
E jamais somos choro
senão um sorriso fino
esparso à gomos de bergamota.
Nada é mesquinho
porque a canção se canta em cada fio de coisa.
–Hoje amanhã e ontem
se espetala uma rosa:
e lhe vem leite no peito à mais jovem das virgens.


(de O irradiador do porto e as gaivotas - 1921)



*Traduzo “taronge”(laranja) por “bergamota” por uma mera questão de sonoridade, dentro das normas da função poética.
** Grill: Cadascuna (cada uma) de les parts separades per membranes (das partes separadas por membranas) de què consten (de que se constituem) certs fruits (certos frutos), com (como) la taronja (a laranja) o la nou (ou a noz) -  Diccionari.cat.      Embora encontremos traduções deste mesmo poema usando "grilos de laranja", o que não parece fazer sentido em português, a menos que "grilo" possa ser permutado por "gomo" ou "pedaço", "divisão".

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PERQUÈ HAS VINGUT

Perquè has vingut han florit els lilàs
i han dit llur joia
                            envejosa
                                              a les roses:

 
mireu la noia que us guanya l'esclat,
bella i pubilla, i és bruna de rostre.

De tant que és jove enamora el seu pas
—qui no la sap quan la veu s'enamora.
Perquè has vingut ara torno a estimar:
diré el teu nom
                            i el cantarà l'alosa.

(de El poema de la rosa als llavis - 1923)

PORQUE JÁ CHEGASTE

Porque já chegaste hão florido os lilases
e hão dito seu gozo
                                invejoso
                                                  às rosas:

olhai a moça que ao vosso broto abre,
que é escura de rosto, e bela e de bom dote.*

Com tal verdor enamora o seu passo
-que não a capta quando a voz se enamora.

Porque já chegaste ora torno a amar:
direi teu nome e o
                              cantará o rouxinol.**

(de O poema da rosa nos lábios - 1923)



* Bella i pubilla troco por bela e de bom dote. Nas culturas de Brasil e Portugal se reconhece facilmente o significado da palavra "dote" ("conjunto de bens que a mulher, ou alguém por ela, transfere ao marido para que o ajudem no prover aos encargos do matrimônio, sob a condição expressa de que a ela os restitua depois de dissolvida a sociedade conjugal", conforme o Houaiss). Pubilla, na verdade, na tradição catalã, é a filha mais velha quando, na falta de um primogênito do sexo masculino, herdaria todos os bens dos seus pais. Traduzir, por exemplo, por "única herdeira", retiraria a carga cultural expressa na palavra "pubilla", além de seu uso resultar, metricamente, em um verso muito dessemelhante ao original. 
 

**Troco "l'alosa" (cotovia) por rouxinol por uma mera questão de rima. Embora os dois pássaros tenham simbologias diferentes (o rouxinol como um cantor da noite e do amor) e a cotovia sendo o cantor do amanhecer, por isso, em Romeu e Julieta, o fim da noite de amor. No poema, a cotovia como que cantaria uma "memória fresca" da noite de amor. 


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Texto do caligrama, mesclando francês e catalão:

MARSEILLE PORT D'AMOUR
NOTRE DAME DE LA GAR DE PRIEZ POUR NOUS
RESA UNA NOIA EN MON BATELL:
«oh viens tout près de moi
puis pose avec émoi
tes lèvres sur ma bouche
- dans un baiser farouche
 je serai toute à toi!»
SOTA LES VELES LA CAPTINDRÉ
Com sé que es besa
la besaré
marineret qui no vigila -- corsari ve i li pren l'aimia --
si no li duia cap cançó-- corsari ve i li pren l'amor

 (de El poema de la rosa als llavis - 1923)



NoturnoparaAcordeom NoturnoparaAcordeom NoturnoparaAcordeom



Nocturn per a Acordió
A Josep Aragay

Heus aquí: jo he guardat fusta al moll.
(Vosaltres no sabeu
                                  què és
                                              guardar fusta al moll:
però jo he vist la pluja
a barrals
sobre els bots,
i dessota els taulons arraulir-se el preu fet de l'angoixa;
sota els flandes
i els melis,
sota els cedres sagrats.

Quan els mossos d'esquadra espiaven la nit
i la volta del cel era una foradada
sense llums als vagons:
i he fet un foc d'estelles dins la gola del llop.

Vosaltres no sabeu
                                què és
                                            guardar fusta al moll:
però totes les mans de tots els trinxeraires
com una farandola
feien un jurament al redós del meu foc
I era com un miracle
que estirava les mans que eren balbes.

I en la boira es perdia el trepig.

Vosaltres no sabeu
                                què és
                                            guardar fustes al moll
Ni sabeu l'oració dels fanals dels vaixells
—que són de tants colors
com la mar sota el sol:
que no li calen veles.



 (de Óssa menor - 1925)


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Noturno para Acordeom

                                                                                                            A Josep Aragay
Eis-me aqui: venho cuidando toras nos molhes.
(Vocês não sabem
                                 o que é
                                              cuidar toras nos molhes:
porém tenho visto a chuva
aos jarrões
sobre os botes
e debaixo dos tabuões se enrodilhar o preço da angústia
sob os pinhos-de-Flandres     
e os mirtos melis,
sob os cedros sagrados.

Quando os polícias espionavam a noite
e a roda do céu era um túnel que abre
sem luz nos vagões:
e fiz um fogo com ripas na goela do lobo.

Vocês não sabem
                               o que é
                                             cuidar toras nos molhes:
porém todas as mãos de todos os vagabundos
como em uma farândola
faziam um juramento ao calor do meu fogo
E era como um milagre
que estendia as mãos que estavam duras.

E na bruma se perdiam as pisadas.
Vocês não sabem
                               o que é
                                             cuidar toras nos molhes
Nem sabem a oração das lanternas dos barcos
—que são de tal colorido
qual o mar embaixo do sol:

que velas não neles cabem.


(de Ursa menor - 1925)

"moll" significa "molhe", "cais" ou "porto"; é a origem da palavra "molhe em português". Inicialmente, usei "docas" na tradução. Porém, doca é um lugar fechado e abrigado, o que não parece mostrar a situação de "desabrigo" do poeta e seus achegados. A tradução mais exata seria "no cais". Mantivemos o cognato "molhe" em vez de "cais" por uma questão sonora.
"barrals" significa, literalmente, "cântaros", e então temos a expressão idêntica "chover aos cântaros". Porém, por uma questão de sonoridade, troquei cântaros por jarrões.
“flandes” significa a madeira do “pinho-de-flandres”, ou pinho-da-escócia, também conhecido como “pinho-de-riga”, ou à sua madeira, muito usada na construção civil e em marcenaria;
"mosso d'esquadra", espécie de polícia de fronteiras, portos e costas da Espanha na época, conhecida em castelhano como os "carabineros". 
“melis” pode referir-se a qualquer tipo de madeira de pinheiro, mais comumente do já citado “pinho –de-escócia”, ou à madeira de uma árvore chilena que se se chama “melí” em castelhano; optamos pela árvore chilena, de boa madeira, aparentada do mirto;  
“estelles”, que traduzo por “ripas”, significa, no texto original, pedaços de madeira, restos de madeira quebrados ou lascados, que o poeta usava para criar fogueiras;
“trinxeraire” é uma pessoa de vida vaga pelas ruas de uma cidade, sem emprego, pobre e desamparada, normalmente um jovem que é visto como um “pícaro”;
“farândola” é a dança de origem provençal, em que os pares, segurando-se pelas mãos, formam extensa fila que se movimenta de maneira agitada (Houaiss);
“balbe”:  adjetivo, com as mãos, pés, ou língua sem movimentos e, algumas vezes, amortecidos, pelo frio ou pelo medo. Traduzi  por “duras”, simplesmente, como dizemos no sul do Brasil “minhas mãos estão duras de frio”.

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OMEGA

l'hora floreix
rosa
        vermella
                      roja i escarlata
—jo sé la noia que es deleix
i l'hora que passa
dansa que dansa— 
el meu rellotge té un panteix
sageta d'or i plom a la vegada

l'hora floreix
i és el meu cor com l'esponja espremuda 
—ara una esponja que raja d'escreix—
algú emborratxa
                         amagat
                                    les agulles

cada minut cau com l'aigua de neu
llà on és l'amiga
—i a prop meu cau com l'espuma
ferida.

(de Óssa menor - 1925)

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ÔMEGA

a hora floresce
rosa
        vermelha
                      rubra e escarlate

—eu sei da moça que se deleita
e da hora que passa
dança que dança—
o meu relógio tem um arquejo
de uma vez só seta de ouro e chumbo

a hora floresce
e é o meu coração como a esponja espremida
—agora uma esponja que esguicha o excesso—
alguém embaraça
                            em oculto
                                             os ponteiros

cada minuto cai como a água da neve
lá onde está a amiga
—e junto a mim cai qual espuma
ferida.

                               

(de Ursa menor - 1925)



Nota: Transcrevo o texto em catalão de acordo com o manuscrito do autor e, na tradução, optei por usar a disposição tipográfica que aparece no mesmo, não a disposição que aparece na publicação póstuma de "Ursa Menor", em 1925. 

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Si jo fos pescador

 Si jo fos pescador pescaria l´aurora,
 si jo fos caçador atraparia el sol;
 si fos lladre d´amor m´obririen les portes,
 si fos bandit millor
                                    que vindria tot sol:

 -els carcellers del món no em sabrien mai l´ombra,
 si fos lladre i bandit no em sabrien el vol.

 Si tingués un vaixell m´enduria les noies,
 si volien tornar deixarien llurs cors:

 i en faria fanals
                             per a prendre´n de nous.

(de La gesta dels estels - 1922)


  Se eu fosse um pescador

  Se eu fosse um pescador eu pescaria a aurora,
  Se eu fosse um caçador eu pegaria o sol;
  se fosse ladrão de amor me abriam as portas,
  se bandido melhor
                                     que eu chegava aqui só:

  - carcereiros do mundo não viam mi’a sombra,
  s'eu fosse ladrão bandido não m'viam o vôo.

  Se eu tivesse um barco eu levava todas moças,
  se quisessem partir deixavam os corações:

  e lá dentro faróis
                                    pra os pés em novos pôr.

.
Nota: infelizmente, a tessitura sonora não pode manter, na tradução, aliterações semelhantes às do original, com o recorrente uso do "l"







2 - Joaquim Folguera i Poal (Santa Coloma de Cervelló, Barcelona,  1893 - Barcelona 1919), filho de um político nacionalista catalão conhecido e participante do classicista “novecentismo” foi, no entanto, autor de caligramas, aproximou-se das vanguardas  (às quais chamava de “futurismo”), tornando-se importante promotor das vanguardas catalãs e européias em geral.




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JORNADA DE MARÇ

 És un dia foll de vent,
 dia de plany i revolta;
 cada feble cosa volta
 dins la follia del vent.

D'aquest joc inconscient
l'harmonia es desconhorta:
tota bellesa s'emporta
el vent.

Més, un dolç penediment
al temps sobrevé. Llavores,
oh deia de vent!
plores.

DIA DE MARÇO

É um dia louco de vento,
dia de pranto e revolta;
cada flébil coisa em volta
da loucura interna ao vento.

Neste jogo desatento
que à harmonia desconforta
todo o belo em si transporta:
o vento.

Mais, vem o arrependimento
doce sobre o tempo. Agora,
oh dito desde o vento!
chora.


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Ambició

 Carrer Salmerón, Rolls 50 HP, 9'50 h.
 Bella curs. Les façanes cilindren
 els polsos. Pels balcons s'esfilagarsen les idees.
 No sé si sóc jo o la meva cabellera.
 L'auto fendeix les ones de la nit: escuma
 lluminosa als flancs. L'espai i la llum engolit queda
 en mi que sóc la tenebra vertiginosa. Però l'horitzó
 em fuig en el cristall davanter. Reversibilitat de visió.
 Immobilitat panteixant.

(Traduccions i fragments, 1921)


Ambição

Rua Salmeron. Rolls 50 HP, 9:50.
Bela pista. As fachadas cilindram 
os pulsos. Pelos balcões se esfiapam as idéias.
Não sei se sou eu ou a minha cabeleira.
O carro fende as ondas da noite: espuma
luminosa pelos flancos.  O espaço e a luz engolida ficam
em mim que sou a treva vertiginosa. Porém o  horizonte
me foge no cristal dianteiro. Reversibilidade de visão.
Imobilidade ofegante
.



*Traduzo “curs” (corrida) por pista. Sem perder uma totalmente a semelhança sonora não me afasto da semântica de “corrida”.
** Les façanes cilindren: significado obscuro; provavelmente “façanes” (fachadas) está
sendo usada aqui de uma forma muito inusual, regional, ou datada.




 "En Avió", Caligrama de Joaquim Folguera, publicado em "Un 
enemic del poble", nº 16, março de 1919.  
Editado por Joan Salvat-Papasseit.






Traduções e notas Adrian dos Delima.






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