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sábado, 12 de novembro de 2011

ADRIAN'DOS DELIMA:POPULARIDADE E MARGINALIZAÇÃO EM POESIA HOJE - A POESIA COMO MANIFESTAÇÃO SECUNDÁRIA DA CULTURA.




POPULARIDADE E MARGINALIZAÇÃO EM POESIA HOJE: A POESIA COMO MANIFESTAÇÃO SECUNDÁRIA DA CULTURA.

Adrian'dos Delima















“Um par de botas vale tanto quanto Shakespeare.”
                                                                                                                          Alain Finkielkraut




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A projeção e a influência: ser drumondiano é estar morto.

                O gancho destes apontamentos surgiu de forma quase acidental, quando por acaso encontro uma entrevista dada recentemente por Régis Bonvicino a Paulo Werneck , editor da Ilustríssima, publicada no site de Bonvicino. Quatro perguntas um pouco descontextualizadas, talvez, se não quisermos considerá-las tendenciosas ou propagandísticas, contra três respostas apenas, que parecem contestar a importância ou o valor dos próprios questionamentos feitos por Werneck. Diante da primeira pergunta da qual não consigo extrair um  sentido exato, pois não consigo compreender porque alguém faria seriamente uma pergunta como esta  - “Somos todos drummondianos?” - Régis Bonvicino responde com poucas palavras, proferindo entre elas “ser drummondiano equivale a estar morto”. Se a entrevista fosse uma espécie de jogo no qual só pudéssemos responder sim ou não, nenhum ser pensante e falante do português responderia sim a tal pergunta.  Considera Bonvicino o óbvio, que ser seguidor de um só poeta representa um empobrecimento na produção de um autor, visto que existem e existiram, no Brasil e no mundo, inúmeros poetas a cujas obras podemos apreciar e dos quais podemos aprender muita coisa, e por eles,  em termos de formas de escrita, nos deixarmos influenciar; ou poetas que também teriam muito a nos dizer – sem que precisemos nos referir, neste momento, à chamada “angústia da influência” de Harold Bloom, já que todo e qualquer discurso é formado por outros seus predecessores e, naturalmente, a nossa linguagem também, o que depreendemos de diversos estudos na área línguistica e, sendo um texto literário ou poético, suas referências poderiam, inclusive, fugir quase que completamente de quaisquer tradições literárias para produzir uma poesia nova em sua linguagem, preferindo um diálogo com vozes extra-literárias, ou apenas fora da tradição literária mais canônica.
                Porém, esta aproximação com outras linguagens e, consequentemente, com outros discursos, não deveria autorizar o produtor de poemas a prescindir de uma série de procedimentos que o permitirão criar algo que possa ser chamado, em um sentido amplo, de texto poético. É muito razoável a proposta de que um bom poema somente se fará mediante “o conhecimento, aperfeiçoamento, acumulação e diversidade de processos poéticos” usando como requisitos para a criação de um bom poema aqueles que Vladimir Maiakóvski considerava necessários para a formação de um “poeta profissional” (Como fazer versos, tradução de Boris Schnaiderman). Isto somente se atingirá através da formação de algum tipo de “Paideuma” (conceito usado por Ezra Pound, uma tradição válida, uma tradição engendrada por cada poeta) e do conhecimento de vários criadores, literários ou não, bem como da observação e apreensão de seus processos, com subsequente  desenvolvimento de uma “escrita” (termo não perfeitamente aplicável à poesia visual e à fonética) relativamente própria, em considerando que, conforme nossos termos, não haveria nunca a total originalidade. Ainda nos valendo da idéia poundiana de Paideuma,  poderíamos chegar, desta forma, àquilo que Pound em seu ABC of Reading define como poesia (se quisermos produzir o nosso discurso a partir de dois manuais considerados essenciais para o aprendizado sobre poesia, sendo este  segundo considerado, também, praticamente inquestionável, ambos podendo nos dar um norte para o desenvolvimento de nossa crítica): poesia,  aquele feixe semiótico de que podemos extrair significação ao máximo, em função de sua condensação. Quanto maior a “condensação”, maior seria o valor do texto. Naturalmente, esta é uma definição que transforma em “sub-literatura” a maior parte da poesia com certa visibilidade.   
                Embora Pound, em seu ABC,  trate diretamente apenas de textos verbais, seus termos e maneira de abordar o tema “linguagem”, não impedem que consideremos como poesia certas experiências das vanguardas que prescindiam de uma clara significação, ou mesmo que não tivessem significação alguma, nenhum sentido lógico, como nas experiências dadaístas, por exemplo, pois Pound falava em precisão, mas também em uma certa  “precisão no impreciso”. Nem tampouco exclui tendências experimentais posteriores ao momento das vanguardas históricas, ou das primeiras vanguardas, experiências que prescindem do texto escrito, da linguagem verbal, ou mesmo de qualquer signo de escrita.  Porém, com fins de demarcar os limites de nossa conversa e torná-la mais fácil, priorizaremos aqui comentar poetas e textos poéticos que trabalhem ou trabalharam sem abrir mão da linguagem verbal, embora não seja de nosso agrado excluir outras formas atuais de poesia, presentes no Brasil desde o poema/processo.
                Voltando às palavras da entrevista com Bonvicino, nosso gancho, temos que considerar que, se fôssemos falar neste nosso texto sobre o empobrecimento poético através da influência de um único autor teríamos  que observar que o Drummond (pois penso também conforme assinala Bonvicino na referida entrevista) é muitos, não um, e não tem e nunca teve o monopólio da influência em todas as regiões do Brasil, em todas as faixas etárias, grupos sociais, etc., nem é possível dizer que toda poesia de hoje é uma resposta à sua poesia  e, jamais, poderíamos considerá-lo o poeta de maior influência sobre os vates brasileiros de hoje, mesmo que possa ter sido o mais influente em algum momento no passado da nossa poesia. Dificilmente, também, podemos considerá-lo o maior poeta brasileiro de sua época, se considerarmos os conceitos de Pound, não precisando ir muito longe para encontrarmos poetas contemporâneos seus com maior consciência no trato da palavra como entidade feita de fonética, de som como matéria primordial que será utilizada pelo autor, ou do seu aspecto gráfico, icônico-visual,  somente para ficar dentro dos conceitos do “Como fazer versos”, no qual Maiakóvski se funda em conceitos que são muito semelhantes aos estudados pelo linguísta Roman Jakobson referentes à materialidade da linguagem, bem como alguns daqueles dos poetas do seu círculo “cubo-futurista”, e chegando mais próximos da “condensação” proposta por Pound como a essência do texto poético, não da palavra como mera portadora de significado ou contextualizadas evocações emotivas.

Um exemplo da influência como geradora de marginalidade.

                Por falar em “angústia da influência”, ficando apenas no caso do Rio Grande do Sul, como exemplo, estado onde nasci e onde vivo, a sufocante influência de Mário Quintana há vinte anos atrás era tão devastadora entre os poetas que, se algum deles dissesse  “eu não gosto de Mário Quintana” isto equivalia a no Brasil dizer, há alguns anos atrás, falando de futebol  a um interlocutor médio, “eu não vou torcer pela seleção brasileira na Copa do Mundo”; ou, recuando mais no tempo, gritar em praça pública “eu não acredito em Deus”. Você estaria prestes a passar por um linchamento moral. Você seria discriminado e marginalizado pela sua própria classe, a dos poetas.
                Este prestígio de que gozava Quintana, mesmo quando a qualidade de sua produção entrou em uma fase de declínio qualitativo, a predominância de seu estilo interferindo no trabalho de outros poetas, permaneceu por longos anos e, só começa a sofrer um certo recuo a partir do momento que, na onda da luta pela redemocratização do Brasil, começa a alavancar-se uma poesia regionalista e predominantemente de crítica social e política, dentro de um movimento  chamado “nativismo”, o qual extrapolava em muito os limites da literatura. Por outro lado, existiam os poetas marginais, atuando da mesma forma que os poetas pertencentes ao grupo da chamada “Geração mimeógrafo”, através do uso do mimeógrafo, livretos artesanais, caseiros, ofertados em alguns estratégicos locais públicos, outros meios, enfim, de “apresentar e veicular” suas obras, usando as palavras de Glauco Mattoso, um dos raros autores a tentar estudar o fenômeno daquela geração como literatura, não apenas como fenômeno sócio-político. Tais palavras provêm do livrinho “O que é poesia marginal”, de Glauco (Brasiliense, 1981) , no qual o autor demonstra que, de fato, o fenômeno da “Geração mimeógrafo” era um fenômeno nacional, havendo publicações artesanais de vários tipos, em diversos estados do Brasil, distribuindo-as da mesma forma, demonstrando também que estes “poetas marginais” não possuíam nenhuma unidade formal ou teórica, embora possamos concordar com Glauco que, apenas no geral,  se existia um traço comum à maioria deles era “a desorganização, a desorientação  e a desinformação” produzindo uma poesia que  demonstrava “despreocupação com o próprio conceito de poesia e o descompromisso com qualquer diretriz estética” resultando em uma “espécie de displicência”. Os “marginais” gaúchos poetas estão, de fato, inspirados pela maneira “militante”, artesanal, de atuar de todos aqueles  poetas  publicados no livro organizado por Heloísa Buarque de Hollanda, 26 Poetas Hoje, em 1975, que, excluindo-se dois ou três, são considerados os “poetas marginais” por excelência (tais como Chacal, Cacaso, Ana Cristina César). No entanto,  já a partir de meados dos anos 80 e antes, os poetas marginais gaúchos estão afastados da simplicidade formal dominante no grupo de “26 poetas”. Mais assemelhados em sua maioria  ao trabalho de Roberto Piva, um caso à parte entre os poetas publicados na antologia de H. B. de Holanda, buscam outras formas de expressão verbal, muitos se aproximando da poética da Geração Beat e seus predecessores. Outros buscam o aprendizado do concretismo e, em seguida,  de toda a bagagem que carregam os irmãos Campos & companhia, tal como fez Geraldo Carneiro, uma outra voz um tanto destoante na antologia mais representativa da Geração Mimeógrafo.
            Já observávamos, com Régis Bonvicino, que afirma em Tantas Máscaras (Reconhecimento de uma Nova Poesia Brasileira),  que “o movimento da ‘Poesia Marginal’, de 1975, pode ser visto como um dos desdobramentos do Tropicalismo sobretudo no Rio de Janeiro, tendo-se em mente que o Tropicalismo foi, sob certo ângulo, uma releitura, no âmbito da massa, do Modernismo. A ‘Poesia Marginal’ explorou detalhes modernistas como o ‘poema-piada’ e resolveu precariamente o tópico da reinvenção de uma poesia coloquial”, pode-se observar, também, ainda conforme Bonvicino, que a maior parte da poesia marginal usou de um experimentalismo linguístico dispersivo, ingênuo, ante o qual acabaram por surgir algumas “respostas criativas individuais”.              
                Na segunda metade dos 80, ainda, começa a surgir entre estudantes do Rio Grande do Sul a figura meteórica do Paulo Leminski poeta, uma voz inconfundível, para não usarmos a palavra original, sempre contestável, que mistura um pouco da ironia e certo desleixo coloquial da Geração Mimeografada a um muito de rebeldia beat e às propostas formais do concretismo, estas  também  começando a despertar interesse no público em função da música de compositores como Arnaldo Antunes, ainda participante do grupo de rock “Os Titãs”. E Leminski, aliás, dominou com precisão, como poucos, as técnicas de escrita dos concretistas, a qual aliou a  liberdade linguística na exploração do coloquial, situando-se na poesia – como o principal nome daquela “resposta criativa” mencionada por Bonvicino.
                                              

Da inspiração nas margens junto à descoberta de novos consumidores até a geração de uma nova leva de poetas ou proto-poetas. A não-existência da poesia na mídia institucionalizada.
               
               
                Se entre os jovens poetas do Rio Grande do Sul, a partir do seu surgimento, a influência da poesia de Leminski só cresceria, pois a exemplo dos poetas marginais, havia um público-alvo real interessado no “produto”, se verificaria em todo o Brasil a mesma tendência de popularização do curitibano como um novo grande poeta brasileiro, ou o novo grande nome da poesia brasileira, visto pelo público como um autor “moderno” (seria dizer uma espécie de “vanguardista”, para um público não especializado), inventor de uma poesia realmente nova. Isso transformaria Leminski no poeta brasileiro mais famoso e copiado entre os jovens poetas, com uma influência que se pode verificar até os dias de hoje, embora as consequências desta ascensão vertiginosa também já possam estar perdendo em intensidade. Tal influência, hoje, se demonstra, principalmente, através da produção em larga escala do poema mínimo e do haicai sendo, deste último, Leminski um dos principais difundidores no Brasil, tendo-o seguido nesta obra a sua esposa, a também poeta Alice Ruiz. Evidentemente, a poesia haicai de Leminski fugia (e muito) aos padrões rígidos da velha fôrma, do pensamento formatado do haiku japonês tradicional, indo muito além das pequenas variações de estilo que aquele aceitava, delimitadas dentro das características estilísticas de três períodos distintos (o de Bashô, o de Buson e o de Issa). De um humor que ultrapassasse uma certa ironia suave com fins morais ou emotivos, e um nonsense aproximado do surrealismo e do dadaísmo, nem se fale nisso, o que pensariam aqueles japoneses que o brasileiro admirou? Esta produção massiva de haicais gerada a partir da influência de Leminski foi e é, muitas e muitas vezes, ou na maioria dos casos, de qualidade duvidosa, ou mesmo péssima, e o fato de ter se transformada em moda é facilmente explicável por um modus vivendi cujo pragmatismo nos exige a pressa e onde o signo visual atinge muito mais facilmente “a retina mental” do público (usando palavras de Pound) já que o pensar e o imaginar em demasia exigem tempo, boa vontade e outros requisitos. Algo semelhante popularizou a prosa dos chamados “mini-contos”, a pressa contemporânea, no caso.
                Seguindo o nosso diálogo com a breve entrevista de Régis Bonvicino,  este  chega a silenciar sobre uma das perguntas, pois o entrevistador parece não estar compreendendo a crítica feita por Bonvicino. Resumindo a pergunta, “A herança de Drummond gerou, de alguma forma, uma poesia conservadora? Qual é o caráter desestabilizador da poesia de Drummond?”. Eis aí uma pergunta que, realmente,  não necessitava de uma reposta, já que Bonvicino encerrara a contestação anterior com as palavras “acho que nem mesmo Drummond é tão ‘imitado’ quanto sua pergunta sugere”. Além disso, observação minha, formalmente falando, em termos de linguagem, não há nada de “desestabilizador” na poesia de Drummond, a não ser, talvez, no conteúdo, aquilo que não costumo analisar. Poderia haver alguma inovação na década de 30, com aquela sua pedra no meio do caminho, que saiu na Revista de Antropofagia em julho de 1928 e contribuiu para o escândalo geral que já era o próprio movimento antropofágico, podendo ser o poema, inclusive, um precursor da própria poesia concreta. No entanto, naquele momento,  muitas inovações, até mais radicais, como na poesia e prosa/poesia de Oswald de Andrade, já haviam chocado o público desde um primeiro momento do nosso modernismo, Drummond  já não poderia ter a suprema glória de todo aquele que sonhava em ser um vanguardista legítimo, a de deixar todo e qualquer receptor absolutamente estupefacto (talvez nem o desejasse) e, posteriormente,  se a sua poesia fosse de fato desestabilizadora, haveria muita polêmica em torno do seu nome, em função da sua estética, como haveria em torno do nome do grupo Noigandres e também de Paulo Leminski.
                Por fim, ainda atendo-nos à curta confabulação de Werneck com Régis, produtiva apenas em função das curtas respostas que dizem-nos muito, parece-nos que Bonvicino está fazendo ali uma crítica, e um pouco mal-humorada, a algo que poderia incluir uma analogia com a própria atuação do entrevistador Werneck naquele momento.  Atendo-nos à resposta de Bonvicino na  última pergunta de Werneck, a qual diz respeito mais diretamente ao tema sobre o qual gostaríamos de conversar aqui,  tal questionamento de Werneck parece ser uma acusação à poesia feita pelos verdadeiros literatos de hoje, como o próprio Bonvicino, afirmando que à época de Drummond esta poesia de literatos poderia ser compreendida por qualquer leitor comum, “culto mas não especializado”. Ou seja, Paulo Werneck chega exatamente onde demonstrou pretender  chegar com a pergunta anterior, aqui não citada ainda, com a qual procura atribuir o adjetivo de “hermético” a toda poesia que entende como “experimental”: uma velha adjetivação dos tempos em que chamavam o concretismo de vanguarda e qualificavam as vanguardas como “elitistas”.
                De fato, como já dissemos, concordando com as palavras de Bonvicino em sua entrevista, há vários drummondes no próprio Drummond, não da mesma forma que isto ocorria com Fernando pessoa, naturalmente, e, podemos acrescentar , copiando fielmente a fala de Bonvicino, que “Existe poesia experimental de fácil leitura e há poemas não experimentais de Drummond de difícil leitura”.  Mas Werneck pretende, na realidade, que se alcance voltar a uma suposta “Idade de Ouro”, na qual os poetas buscavam e atingiam a comunicação com o público, havendo uma total sintonia, empatia, comunhão com este. Propõe, então, que “a poesia”, toda ela, está encerrada em um “nicho”. Desconheço que algum dia tenha esta existido esta fase, esta “Idade de Ouro”, no Brasil.  Diferentemente de países como a Espanha, onde a poesia da época de Lorca era recitada na rua e atraía multidões, ou do Irã, onde desde os tempos da Pérsia a poesia é a arte mais praticada, ou do Chile e da Rússia, onde a poesia sempre assumiu extrema importância, a poesia jamais obteve muita repercussão além de estampar os diários e cadernos de meninas do Ginásio e normalistas com palavras de amor, até a década de 60 ou 70, no máximo. Muitos sonetos de amor.
                Régis Bonvicino, no entanto, através de sua reposta, demonstra muito lucidamente entender que, a partir do advento da popularização da internet, não se pode mais falar em “nichos” para a poesia. O poeta-crítico fala na existência de um “boom” da poesia no Brasil, o que talvez não seja exatamente uma realidade. Pode estar ocorrendo, simplesmente, que muitas pessoas com algum anseio de expressar suas idéias, sentimentos, sensações, inclusive meras opiniões (nem sempre com muita arte) já estivessem escrevendo há muito tempo, tendo encontrado na rede internacional de computadores uma ferramenta poderosíssima para mostrar o seu trabalho (ou seu mero passatempo sem algum esforço para atingir um texto de qualidade, e quanto menos excelente). Tal poesia que, no geral, antes que a qualidade, busca um caminho alternativo para engendrar um público ou apenas expressar-se ante amigos e criar novas amizades, de certo modo poderia ser considerada uma “poesia marginal”, tendo em comum com a antiga Geração Mimeógrafo o fato de utilizar um suporte alternativo para a sua divulgação, sendo feita por poetas ou proto-poetas independentes e autônomos em relação à grande mídia (como toda poesia) e ao mercado editorial, quando não indiferentes a estes, não encontrando um motivo para a sua utilização.   
                No meio do caos informacional que representa a internet, entretanto, teremos muita dificuldade para separar o joio do trigo, embora possamos dizer que a poesia esteja aí, buscando e encontrando caminhos válidos para ser lida, vista ou ouvida, enfim, divulgada e debatida.  A respeito,  muito diz o texto de apresentação do blog de Jerome Rothenberg, “poems and poetics”, o qual ele intitula, sugestivamente, “A Prospectus”: In this age of internet and blog the possibility opens of a free circulation of works (poems and poetics in the present instance) outside of any commercial or academic nexus. I will therefore be posting work of my own, both new & old, that may otherwise be difficult or impossible to access, and I will also, from time to time, post work by others who have been close to me, in the manner of a freewheeling on-line anthology or magazine. I take this to be in the tradition of autonomous publication by poets, going back to Blake and Whitman and Dickinson, among numerous others.” É interessante notar que Rothenberg aponta para a mesma autonomia dos que pretendemos denominar de “marginais” como uma longa tradição na melhor poesia de língua inglesa, tradição esta que estaria recebendo um novo impulso através do uso da rede internacional de computadores.
                Portanto, se olharmos com clareza para o tempo presente, logo percebemos que a poesia não se encontra oculta, restrita a círculos especializados, está em circulação e, somente (considerando que o livro de poesia impresso já não serve para captar o interesse de um grande número de pessoas), a ela carece espaço nos jornais e televisão, veículos que ainda parecem interferir e condicionar mais a formação da opinião e do gosto público, num sentido behaviorista, inclusive . Isto já nos parece normal, e pareceria uma perda de tempo reclamar desta situação. Todo o tipo de discussão intelectual dificilmente chega aos veículos tradicionais de comunicação de massa. Ocorre o quê? Talvez não exista, em realidade, um espaço para a inteligência na grande mídia. Ou melhor, não sei se um veículo como a televisão, por exemplo, nos moldes de hoje, seria um espaço adequado para a discussão sobre poética. Temos canais sobre música, por exemplo, mas não canais que nos ensinem como fazer música. Ao público, isto não interessa. Interessa ouvir e apreciar a música. De outro modo, a televisão se afastaria de seus objetivos, antes de nada comerciais.
                Por outro lado, quando se inventa um espaço para a poesia, caso que nos interessa, dificilmente se verá uma discussão crítica séria. Bonvicino observa que estes veículos “mais institucionalizados”, bem como as editoras, que não investem nos autores com o seu próprio dinheiro, não possuem especialistas em literatura e, podemos observar, seus editores compreendem menos ainda a poesia, e por este motivo Régis fala em uma “deseducação geral”, provavelmente gerada por esta situação da predominância informativa da televisão e do jornal, os quais não assumem compromisso algum com o pensamento, com a literatura e, menos ainda, com a poesia, já transformada em uma manifestação marginal de nossa(s) cultura(s).                       
                Pouco acompanho a grande mídia de maior alcance popular, porém, é possível observar facilmente a veracidade da afirmação de Régis Bonvicino: mesmo um gigante em audiência como a Rede Globo, que poderia aproveitar seu “poder de fogo” para transformar aquele quadro da deseducação referido pelo poeta paulista,  se inclui neste perfil. Recordo de haver acompanhado uma entrevista no programa de  Jô Soares com Haroldo de Campos, que na ocasião recitou uma grande parte do monumental “Galáxias”, porém não recordo de ter visto Jô Soares fazer nenhuma pergunta interessante, mesmo simples,  no concernente ao fazer poético em si, ou sobre a substância da poesia, ou sobre a situação e a relevância da poesia na época, ou sobre autores que pudessem ter influenciado o trabalho de Haroldo. Nada. Não parecia estar entrevistando um poeta, e um poeta maior, o que Jô Soares e sua equipe de trabalho talvez não pudessem compreender. No mesmo programa de auditório, há pouco tempo, presenciei entrevista com o poeta gaúcho Fabrício Carpinejar, um poeta com referências interessantes e um trabalho sólido, apesar de eu ainda não ter tido a chance de conhecê-lo devidamente para avaliá-lo com mais justeza, apesar da grande divulgação do seu nome. A entrevista parecia uma peça de teatro, na qual o personagem do poeta cativou a platéia, enquanto não se tocava, ao que posso lembrar, uma vez sequer, no assunto poesia. E, no entanto, Carpinejar é reconhecido como poeta e, somente devido a este reconhecimento conseguiu a projeção para estar  lá, sendo entrevistado num programa televisivo de grande audiência. Mesmo figurando constantemente na grande mídia, a obra do poeta continua pouco conhecida e divulgada, pois nem aqueles meios que o divulgam parecem ter meios, com o perdão pelo trocadilho, para compreender e divulgar verdadeiramente à obra do poeta Fabrício Carpinejar.

Sucesso e marginalidade em poesia no Brasil recente.

                Dando um grande giro no assunto, para voltar à temática que aqui nos interessa, Carlos Drummond de Andrade , de fato, em um dado momento, atingiu uma popularidade bastante significativa, talvez em função de uma certa simplicidade em alguns exemplos de sua poética, um tipo de “afrouxamento” que jamais encontraríamos em um poeta como João Cabral de Mello Neto e, mesmo, em Mário Quintana (antes da sua “decadência”), outros dois grandes nomes da poesia de seu tempo, embora o primeiro destes dois, já naquela época, não tivesse possibilidade, com sua poesia mais característica, de atingir a um público médio, somente o conseguindo, em baixo grau, quando escreveu poemas moldados em padrões de cantares populares, tal qual “Morte e Vida Severina”. Isto, diferentemente do que ocorre com o poeta mineiro, bem como com o gaúcho, o transformou no que costuma-se chamar de “um poeta para poetas”, aquele que Maiakóvski, de outra forma, teria definido como uma “usina” ou “estação”, tema ao qual voltaremos mais adiante. Por alguns motivos semelhantes ao que ocorreu com CDA,  encontraremos os livros do poeta curitibano Paulo Leminski atingindo a um grande público, na máxima medida que a poesia poderia atingir ao público leitor, naquele determinado momento.  Este Leminski controvertido, visto por muitos como um poeta irregular em sua produção, em cuja poesia encontraríamos altos e baixos, muitíssimo mais contestado que CDA, seu antecessor em termos de projeção nacional,  o qual raríssimas vezes é lembrado por semelhante irregularidade na qualidade da sua produção poética. A crítica, normalmente, saudará mais à prosa inventiva de Leminski. Mas este Leminski é o mesmo poeta que participou das páginas da revista Invenção, do núcleo concretista de São Paulo, e não há como negar que o curitibano carregou consigo toda a bagagem técnico-teórica daquele grupo de poetas para chegar à sua produção de uma poesia “mais leve”, menos sisuda, coloquial como a dos ditos poetas marginais, no geral, e de acordo com o projeto modernista da década de 1920. E parece ser um fato que Leminski possuísse aquilo que deveria ser o maior desejo dos poetas concretistas, mas que de fato nunca possuíram, que seria o “conhecimento exato (ou sentimento) dos desejos do grupo o qual representa” como apregoava o recém citado Maiakóvski ser uma das exigências para realizar um bom trabalho em poesia, ou talvez uma poesia revolucionária, no seu “Como fazer versos”.
                E considerando, para desespero dos seus críticos, os momentos mais significativos da poesia de Leminski, poderíamos enquadrá-lo, dentro da conhecidíssima distinção que Ezra Pound faz dos diversos tipos de criadores de poesia (sendo as principais as de inventor, a de mestre e a de diluidor), como o mais popular mestre difusor das técnicas do concretismo. Embora afastando-se da racionalidade extrema dos paulistas, promovendo um certo tipo de “neoconcretismo”, subjetivo tal qual o proposto por Ferreira Gullar, em um dado momento, e de outras reações, ainda mais fortes,  ao objetivismo da poesia concreta, como a de Wlademir Dias-Pino  e, porém, menos grave que um Gullar no seu tom, menos mordaz na expressão, mais jovial, mesmo quando tratando de temas políticos, como caía ao gosto do maranhense, mais próximo de um certo piadismo de Oswald, ou de um certo romantismo, usando em certos momentos de um desleixo maior que o de qualquer modernista de 22, naquele tom absolutamente próximo dos “poetas de rua” do grupo intitulado Geração Mimeógrafo, vínculo esse que se criou em função da sua identificação com tal grupo. Sua intenção, ao se afastar do racionalismo concretista, além de ser a de criar um público para uma proposta ainda vista como de vanguarda, ou experimental, abocanhando os leitores da poesia marginal, era atingir uma expressão livre, nas suas palavras “a ampliação dos espaços da imaginação e das possibilidades de novo dizer, de novo sentir, de novo e mais expressar” que Leminski acreditava estar já presente na poesia concreta. Não há dúvida, acrescenta-se, diante do que o curitibano demonstrou, ao longo de sua obra poética, que ele próprio promoveu esta ampliação de espaços e daquelas possibilidades, através de um rico “reservatório de palavras necessárias, expressivas, raras, inventadas, compostas, etc”, usando mais uma vez a teoria de Maiakóvski, mas também através de combinações inusitadas de palavras e deslocamentos de sentido ou de classe gramatical, por exemplo. No entanto, de fato, até onde acompanhei, pareceria haver um certo equívoco na interpretação que Leminski faz da poesia concreta clássica, que não procurava, de forma alguma, promover “um novo sentir” e um “novo e mais expressar”: ele estaria mais correto se dissesse que o concretismo desejava promover um “estar afinado com um novo pensar” e promover um “novo e mais comunicar”.  Ou seja, Leminski deseja (e consegue) expressar-se com criatividade, um tanto afastado do racionalismo concreto, atingindo em seus poemas, inclusive, por vezes, feições neodadaístas como em poemas como “Signo ascendente”, ao mesmo tempo que atinge a comunicação com um público que era carente em termos de competência linguística para a leitura de certos autores; público que, a estas alturas, chegando à década de 1980, já incluía mesmo os leitores (ou, porque não dizer, não-leitores)  das classes média e alta, alienados pela educação deformante do sujeito imposta pela ditadura militar dos golpistas de 1964. Leminski, assim, atingia algum objetivo proposto, por exemplo, pelo próprio Ferreira Gullar em seu “Subdesenvolvimento e Vanguarda”, o de chegar ao “povo”, enquanto fugia à causa do martírio de um Maiakóvski, a de ser um “incompreendido pelas massas”, razão pela qual o poeta oficial da Revolução Russa acabou sendo perseguido - por mais que tenha ele se esforçado a fim de simplificar a linguagem de sua poesia, afastando-se de um inicial parentesco com um inventivo simbolismo - bem como foram perseguidos todos os poetas de vanguarda na recém criada União Soviética, durante o regime de Stálin, chegando, consequentemente à morte, seja por uma bala suicida diante das pressões sofridas, seja por um assassinato político real.
                Já que queremos falar de uma poesia que não está atrelada a verdadeiros “nichos”, como pretendeu Werneck em sua entrevista com Régis Bonvicino, podemos ainda levar mais adiante as observações sobre o poeta curitibano, que conseguiu levar a poesia a um público considerável, simpatizante que era da “poesia de rua”, aquela que buscava um contato direto entre autor e leitor, à qual convencionou-se chamar de poesia marginal e que, utilizando-se porém de um coloquialismo exclusivamente  urbano, como o desta poesia, aproxima-se também da poesia modernista de 22 (este trabalhava com a linguagem popular rural, também) e, indo mais longe, de idéias como as de Kurt Schwitters  -  recolhendo o “lixo verbal” , o “Kitsch da linguagem verbal diária” (roubando aqui alguma coisa de Haroldo de Campos em “A arte no horizonte do provável”) e transformando-o em poesia: slogans, ditos populares, provérbios, etc. Nisto, parece estar próximo, na verdade, de uma característica quase geral entre todos poetas das vanguardas iniciais e tardias, que pretendiam transformar em poesia tudo aquilo que, antes delas,  era considerado matéria apoética (“a poesia que não se permite certos temas é uma poesia inferior” – dizia, por exemplo, Paul Eluárd, embora não se atendo a questão da matéria verbal usada, como o fez o, diríamos, pós-dadaísta Schwitters);  e Leminski também parece próximo de todas aquelas tendências que a crítica Marjorie Perlof chama de “retaguarda” (porque pretendem/pretendiam consolidar as conquistas das vanguardas). De minha parte, prefiro, no entanto, o termo usado por Cláudio Willer, Segunda Vanguarda, considerando que a proposta desta retaguarda de Perlof também é levar a inovação em poesia mais adiante, e que alguns destes grupos, buscando a arte e o espírito das vanguardas, conseguiram desencadear, em um certo momento, uma grande revolução, como pretendiam e não conseguiram as vanguardas históricas, com exceção da vanguarda russa, sendo esta revolução das Segundas Vanguardas, relacionada à norte-americana Geração Beat, desencadeadora, no entanto, de uma revolução de costumes, moral, basicamente (a dos anos de 1960),  que conseguiu influenciar, minimamente a política mundial. Uma revolução, até o momento, não revertida.
                Leminski, herdeiro e participante de todo este contexto da contracultura, no entanto, é criticado por aquela aproximação com o lado mais “desleixado” da poesia de 22, o piadismo, etc., e de um certo superficialismo de alguns poetas marginais mais conhecidos, aqueles que  conseguiram ir mais longe neste descaso com a matéria-prima da poesia verbal.
                É fato que a quase totalidade do público com sensibilidade para a leitura crítica de poesia, na época, os 70, início dos 80, ditadura militar, era o da poesia marginal: ela era “levada” diretamente pelo poeta até o público, que os acolhia num ato rebelde de solidariedade.  Leminski, por algo natural da sua personalidade e da sua poesia, conseguiu conquistar este mesmo público. E, conforme já observamos anteriormente com relação aos “poetas da internet” (como eu próprio) podemos, aqui, entender poesia marginal em um sentido muito mais amplo que o historicamente aceito. Se um grupo de poetas que conhecemos como “Geração mimeógrafo” parece ter se auto-empossado do termo, ou mesmo se passou a ser reconhecido contra a sua vontade como o grupo oficial dos “poetas marginais”, por antonomásia, temos inúmeras razões para expandir o uso desta expressão, tornando-a um conceito mais amplo, ou de aplicar o conceito de marginalidade a toda poesia feita com base nas evoluções do gênero artístico.
                Tal grupo, setentista e oitentista, possuía uma certa unidade formal (ou informal), escrevendo praticamente todos dentro de um mesmo estilo, e se concentrava no centro do país, principalmente no Rio de Janeiro. É fato, no entanto, que o poeta marginal da época atuou também fora daquele circuito e da ponte aérea Rio-São Paulo, conforme já havia comentado Glauco Mattoso. Daí que muitos poetas produziram de forma “marginal” trabalhos em diferente estilos, sob as mais diversas influências. Poderia-se dizer que a poesia marginal foi uma necessidade imposta pela ditadura e que ocorreu sob diversas maneiras de escritura ao longo do país. Posso citar poetas que foram marginais fora daquele círculo, escrevendo de forma muito diferente daqueles mais conhecidos na épocva, como Ronald Augusto do Rio Grande do Sul, que hoje dispensa apresentações, poeta que perambulou também pela Bahia, e Bento Nascimento, em Santa Catarina, que sempre viveu na mesma residência, na cidade de Itajaí, até seu falecimento em 1993, e publicou apenas um livro em vida, em parceria com o professor e poeta Antônio Carlos Floriano (Celacanto, 1989). Praticando a divulgação da poesia via cartaz, por exemplo, Bento desenvolvia um estilo às vezes próximo de um Manuel Bandeira, “uma estética ao natural”, raras vezes uma dicção drummondiana, algumas vezes se percebem ecos de uma poesia filosófica à moda de Pessoa, às vezes era econômico como Oswald. Enfim, marginal como fosse, procurou aprender tudo que era possível do verdadeiro modernismo brasileiro:

                               quando vou ao supermercado
                               em sua companhia
                               a cidade aprende alegria

                               arroz, fósforo
                               café

                               ....

                               Exercito a minha sina adiando os compromissos.

                               Dou sumiço em certas responsabilidades,
                               engaveto problemas e fico horas sem tempo para nada.

                               A vida é um anzol, vivo com água na boca.

                   ...
                  
                   Ivo tinha uma campina de cravos
                               na cara.
                               Tinha época que aquilo se dilatava
                               arroxeava..
                               e eram mais crisântemos.

                               Ivo nunca ganhou uma rosa
                               e muita coisa que sentia
                               nunca floresceu para o mundo.
                               Tudo ficou à flor da pele.
                              
                        Como podemos notar, a qualidade do trabalho de um poeta, nos anos ainda posteriores àqueles chamados “anos de chumbo” da ditadura militar de 1964, não garantiam a sua publicação, no caso de Bento a maior parte dos seus poemas sendo publicados em livro apenas após a sua prematura morte.
.                Findo o momento da chamada Geração Mimeógrafo, muitos poetas, intelectuais, cartunistas, etc., sem conseguir publicar os seus trabalhos de outra forma, e ainda diante  da censura do regime de 64, passaram a  produzir e distribuir os chamados “fanzines”, muitos deles especializados em poesia, embora estivessem se apropriando de um termo mais relacionado às histórias em quadrinhos, vindo de “fã”, sendo os primeiros fanzines criados por fãs de das chamadas HQ. Estes fanzines ou “zines”, indo mais adiante,  continuavam sendo feitos em mimeógrafos na década de 80, e em reprografia, principalmente, em seguida. O catarinense Bento Nascimento, acima citado, por exemplo, foi muito publicado, mesmo que às vezes não tivesse conhecimento do fato, em fanzines de toda a região sul. Durante os anos 90, já afastados do espectro da ditadura militar, embora ainda convivendo com as mazelas daquele período nebuloso, os fanzines continuaram a produzir uma cultura autônoma, independente, porém agora fora dos meios “usuais” de publicação mais por motivos econômicos ou por falta de oportunidades do que políticos, propriamente, apesar de ser provável que a opção política de um indivíduo possa levá-lo, muitas vezes, à carência de meios.
                   Observemos que o fenômeno de buscar formas alternativas de publicação, como fizeram estes tantos marginais brasileiros, não é nada novo e se configura em escala internacional, normalmente em função de repressão política, como foi o caso também do samizdat sob os regimes stalinistas da Europa Oriental. Na época, década de 1950, apesar  da tentativa de Nikita Khrushchov de abertura no degenerado regime soviético, ocorreu uma reação negativa por parte de outras autoridades e, voltando a forte censura do regime de Stálin, toda a literatura proibida passou a circular através de cópias datilografadas ou manuscritas, gerando desta forma, no leste europeu, toda uma literatura publicada e distribuída pelos próprios autores, que esperavam que aquele que recebesse uma cópia de um livro fizesse outra cópias e as repassasse a outros leitores. Autores como o Nobel de Literatura  de 1987, Joseph Brodsky, por um longo período, necessitaram recorrer ao samizdat como única forma de publicar os seus livros.
                Já a tradição da procura de vias alternativas no Brasil para a produção e distribuição cultural permaneceu até que a internet se consolidasse como tecnologia e veículo de comunicação estável, fato que não se deu antes do final dos anos de 1990, e que teria proporcionado aquele “boom” da poesia de que nos falou Régis Bonvicino, ou, reitero,  apenas trouxe à tona aqueles poetas ou proto-poetas que estavam no completo ou quase completo anonimato. Evidentemente, da mesma forma que já ocorria com os “zines” dos anos 80 e 90, vieram a aparecer poetas que, no geral, produziam e produzem um trabalho de baixa qualidade,  porém agora procurando um espaço de divulgação ou mera expressão em meio a um verdadeiro caos informacional, uma muito maior babel do que aquela da época em que a poesia independente dos marginais circulava de mão em mão.
                Em  meio à confusão de conceitos desta multiculturalidade de uma já megalópole chamada poesia onde, queiramos ou não, temos que conviver todos os poetas, por mais diferentes que sejamos uns dos outros, desde que Platão conseguiu de fato o seu intento de nos expulsar da sua ideal república, o conceito de poesia marginal, como vemos, poderia ser ampliado ainda mais. Então, o que é poesia marginal? Uma velha pergunta, mas que importou a poucos literatos, título de um único livro, bastante singelo. Talvez este quadro de pobreza teórica com relação ao conceito de “marginalização em poesia” mudasse se estes mesmos literatos pudessem perceber que a poesia, bastando para isso ser um pouco mais complexa em sua linguagem, seu modo de comunicar, bastando que ela seja ímpar, mesmo sem pertencer a nenhuma tendência de “vanguarda”, começa a correr o risco de se tornar um produto cultural marginal. Aliás, pensando na analogia com Platão, acima exposta, logo concluiremos que toda a poesia pode ser considerada um produto cultural marginal na história mais contemporânea.
                Aqui, já temos concluído que não se pode aplicar o “rótulo” de marginal à poesia produzida somente pelos autores mais conhecidos dos 26 poetas hoje de 1975. Que conceito amplo de poesia marginal poderíamos forjar , desde que isto seja relevante? Numa época de internet como tecnologia estável e plenamente funcional não é difícil mostrarmos nossa poesia ao mundo, e isto nos dá aquela impressão citada por Régis Bonvino de que vivemos uma explosão nesta área, uma proliferação de poetas, em quantidade, não em qualidade. É o fato de não publicar em livro que cria um poeta marginal, então? Também não creio. O livro de poesia, hoje, no Brasil, conforme já sabemos, não atinge o grande público e, no passado, poucos poetas atingiram tal façanha.
                Só para ficar no estado do Rio Grande do Sul, onde vivo, temos o caso recente de um poeta que produziu um trabalho em livro bastante interessante (Minuto diminuto, 1990), chamado Flávio Luís Ferrarini. Muito elogiado por alguns críticos, como o controvertido José Paulo Paes em seu “Os perigos da poesia e outros ensaios(1997)",  o poeta conseguiu criar bons poemas, fora dos padrões mais comuns da poesia mais conhecida, porém vivendo em certo isolamento geográfico, longe  das nossas “arcádias literárias”, na cidade de Flores da Cunha, e hoje se volta mais para a crônica de jornal, trabalhando em jornais pequeno do interior do Estado. Esta é, aliás, uma tendência de poetas que produzem um trabalho diferenciado, partir para outras áreas de atuação. Há, inclusive, aqueles que abandonaram a poesia sem haver publicado um poema sequer, indo trabalhar nas mais diversas áreas, e não devemos nos surpreender se encontrarmos um gênio da poesia trabalhando, por exemplo, como vigilante noturno, como foi o caso do revolucionário poeta russo Velimir Khlébnikov. Ou mesmo na cadeia, como um Villon. O trabalho de Ferrarini, certamente, é um destes trabalhos que não teve uma repercussão crítica merecida e, naturalmente, em se tratando da sua poesia, não teve o retorno comercial devido (embora, diante de tudo que exponho, eu já possa me perguntar se a poesia deva se transformar em um produto vendável).
                Sem considerar as proporções de cada um, Flávio Luís Ferrarini, que era ou é um poeta promissor,  pode se sentir como um Mário Quintana sonhando em participar da ABL, mas sendo rejeitado por algum motivo insabido que não tem relação com a qualidade literária, pois Ferrarini espera por um maior reconhecimento e, mesmo que possa  ser considerado por um leitor atento como um poeta menor  (se pensarmos nos maiores), está muito longe da mediocridade que verte aos milhares em páginas de outros livros e da internet, como podem atestar tais versos, de minuto diminuto:
               
                                As casas na cidade pequena
                                São vacas deitadas à sombra
                                As ruas são cobras tristes
                                Esticadas ao sol
                                
                                Na cidade pequena as línguas
                                São enxadas que carpem intimidades
                                Como cobras tristes
                                Tristes como as vacas deitadas

                                Na cidade pequena as intimidades
                                São roupas esticadas no varal
                                Confissões de pequenas cobras
                                Sobre as vacas deitadas

                                Os rostos na cidade pequena
                                São molduras tristes
                                Como cobras à sombra
                                Das janelas das vacas deitadas

                                Na cidade pequena são os postes
                                Que vigiam as cobras das vacas
                                Se a língua neles encosta
                                Os postes desabam

                                Desabam os postes na cidade
                                Pequena de vidas menores
                                Sobre as cobras tristes
                                À sombra das vacas deitadas

                                  (Cidade Pequena, Minuto Diminuto, 1991)

                Ou estes:
                              
                   quem deixa de andar corcunda
                               quem deixa de vazar inunda
                               quem deixa de nadar afunda
                               quem deixa de procurar redunda

                Mais emblemático é o caso de Tyrteu Rocha Vianna, desde a década de 20 praticante de um futurismo-regionalista-antropófago oswaldiano no Rio Grande do Sul, enquanto os grupos fechados de literatos, aquele tipo de arcádia ao qual me referi, praticavam uma poesia de cunho ainda simbolista ou, posteriormente,  simplesmente regionalista (mesmo que de qualidade), pouco ou nada aproveitando dos recursos novos trazidos pela literatura de vanguarda. Lembrando que o simbolismo praticado pelos gaúchos talvez desconhecesse os avanços em termos de substancialidade da linguagem e inovação sintática praticados por um Mallarmé, enquanto os poetas regionalistas rio-grandenses não possuíam o ouvido atento às estruturas sintáticas entrecortadas da oralidade, reproduzidas na prosa regionalista do sul por Simões Lopes Neto e, posteriormente, por Guimarães Rosa, em âmbito nacional.  Tyrteu publicou apenas um  livro, em 1928, Saco de Viagem, em uma tiragem de DEZ EXEMPLARES! Ali publicou poemas como estes, mais próximos da face mais radical do modernismo de 22:
                              
                   No açude grande
                               O morador D. Jacaré
                               Papava
                               As ninhadas cuidadas
                               Das marrecas
                               Ladrão assassino de gansinhos tenros febronial
                               11 palmos de boca a rabo
                               Feitos de assaltos plumitivos de engordar
                               Couro de pedra ferro
                               Rabo de serrote humano
                               Eu peguei na Mauser
                               E a minha prima me pagou
                               O doce de côco apressado
                               Da aposta duvidada de matá-lo
                               Eu amanheci cá em casa com saudades de ler
                               Os construtores de ponte de Rudyard Kipling
                               E me esfolei na viagem a cavalo
                               O tiro foi bem no olho      

                               (Pontaria, em “Vontades de versos futuristas”, primeira parte de Saco de Viagem)

                            Em que lugar que mora a Mãe d'Água mamãe
                               É lá na fonte da vovó
                               Como é que ela é
                               É uma mulher bonita de cabelo verde
                               Corpo de peixe vestida de estrelas rabuda
                               Porque é que eu não vejo ela
                               É porque ela não se mostra aos meninos
                               Que tiram ranho do nariz com os dedos
                               E durante todo o tempo em que
                               Eu podia crer na vida da Mãe d'Água
                               O meu nariz foi o único culpado
                               Dela não ter me aparecido

                               (Mau hábito, em “Vontades de versos futuristas”, primeira parte de Saco de Viagem)

                           Tenho um particular apreço pelo segundo destes dois poemas, que me faz lembrar de Simões Lopes Neto, Guimarães Rosa, Oswald de Andrade e ainda e.e. cummings, embora toda a obra de Tyrteu Rocha Vianna apresente exemplos surpreendentes. Se lembrarmos que, a rigor, somente são conhecidos dois poetas autenticamente vinculados ao Manifesto Antropofágico(Oswald e Raul Bopp), este seria o terceiro nome a incluir no rol deste grupo, ainda que não tenha publicado um só poema na Revista de Antropofagia.
                O nosso obscuro poeta Tyrteu, embora controvertido, foi brevemente apreciado e elogiado em livro de 1930 por Tristão de Athayde (Estudos, 3ª série, vol. I, p.52, cf. Itálico Marcon). Escreveu uma poesia nova em relação aos seus conterrâneos gaúchos, mesmo vivendo em uma minúscula cidade isolada e com cerca de 5 mil habitantes, conforme informação contida em poema do próprio Tyrteu. Tendo publicado um único livro, com inspiração futurista desde a capa, em tiragem de apenas 10 exemplares, não se têm notícia de mais nenhum poema seu publicado, nem de que tenha restado outra obra sua, além de um único poema intitulado “Versos para um tordilho chamado Maomé”, que apareceu no jornal  “Cadernos do Extremo Sul”, na cidade de Alegrete,  já no ano de 1959. Rejeitado por sua época e lugar, inclusive pela maioria dos seus “pares”, é possível que Tyrteu tenha sido julgado então por sua pessoa, não por sua poesia. Sendo admirador e influenciado por Oswald de Andrade e Raul Bopp, no entanto, combateu ao lado de Getúlio Vargas na Revolução de 30.
                Não participava de nenhum grupo de poetas da capital Porto Alegre (embora tivesse a admiração de alguns escritores como Érico Veríssimo), era alcoólatra, tinha os dedos marrons devido ao tabagismo desesperado, tinha hábitos estranhos como o de pagar a um sujeito para que este o deixasse soqueá-lo no rosto, por pura diversão, e, por fim, morreu muito pobre, tendo perdido uma enorme fortuna herdada, necessitando mendigar e viver de favores em alguns momentos mais difíceis de sua vida. Naturalmente, se aqui criticássemos o poeta por este ou aquele ato em sua vida, nossas palavras não poderiam ser levadas à sério. Uma concepção de Ezra Pound, que muitos julgarão fundamental, e que foi materializada em seu ABC of Reading, como todas as demais referências ao poeta-crítico feitas neste ensaio, é a de que “reconhece-se facilmente o mau crítico quando este começa a julgar o poeta, não sua poesia”. Ou seja, Tyrteu foi um “maldito”, assim como foi Qorpo-Santo, também autor de poemas, que aqui preferiremos não comentar, para que este ensaio (ou crônica) não se torne em um longo painel de malditos, que poderíamos encontrar em outros lugares do Brasil. E o que é o maldito senão alguém que pode ser considerado um marginal? Rimbaud o foi no seu tempo.
                E poderíamos ampliar ainda mais o conceito de poesia marginal se incluirmos a poesia dos “alienados”, dos “loucos”, fazendo uma relação com a internacionalmente chamada “arte marginal”; ou dos ditos “primitivos”, excluídos, a priori, do mundo da distribuição de “bens culturais” e que pode gerar poetas muito interessantes, como o guatemalteco de origem maia quiché, Humberto Ak'abal, pertencente a uma cultura que é, toda ela, marginal.
                O que talvez ocorra, é que a fase histórica do livro de papel pode estar chegando a um certo esgotamento, embora não possamos considerar isto, exatamente, o fim da “Galáxia de Gutenberg”. Outro dia, em breves palavras que tive a oportunidade de trocar com o poeta porto-alegrense Ricardo Silvestrin,  atualmente também presidente do IEL (Instituto Estadual do Livro) no RGS, comentei a pouca valia em publicar-se um livro de poesia hoje. Certamente o colega, embora tenha a nobre intenção de difundir o uso do livro, compreende bem o que quero dizer, pois publicou um livro de poemas intitulado “O menos vendido”. O título me lembra aquele poema de e. e. cummings,  do homem que “não tinha renda porque não estava à venda”, na tradução de Augusto de Campos. Aliás,  como se pode notar já pelo título do citado livro, Silvestrin parece fazer uma linha “leminskiana”, embora jamais possa ser considerado um poeta medíocre, muito pelo contrário, o que não se pode dizer da maior parte dos poetas “seguidores” de, ou fortemente influenciados por Leminski, concordando com o uso que Paulo Franchetti fez em recente ensaio sobre o poeta curitibano, o qual lançou mão do termo sub-leminskis para estes poetas, embora eu preferisse o termo pseudo-leminskis para os “maus leminskianos” (Leminski e o haicai, publicado em livro organizado por Marcelo Sandmann para a Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, em 2010, e mais recentemente em meio eletrônico pela revista Sibila).
                Ricardo Silvestrin, um outro caso de autor “buscando alternativas”, porém de outra forma, fugindo da marginalidade, é um autor de bastante projeção, considerado o quadro miserável que estamos aqui expondo. No entanto, será mais conhecido pelo público por praticar a literatura infantil, mais vendável, ou por seu trabalho talvez pioneiro de fazer uma crítica literária “pop” em estações de rádio. Ou ainda por ter sido, um dia, o presidente do IEL, ou quiçá por vir a tornar-se governador do Estado, embora o futuro não possamos prever. E tudo isso me parece um mero desperdício de talento para a boa poesia.


Sucesso e marginalidade da poesia tomando um avião do Brasil para o exterior e voltando.

                Já há pelo menos 10 anos descobri com tristeza que nas livrarias “o acervo de literatura não se renova. O leitor de poesia sumiu”, conforme palavras que ouvi de um livreiro. Na Feira do Livro de Porto Alegre, considerada a maior feira do livro ao ar livre do Brasil, somente se encontrará livros de poemas de um ou dois poetas atuais que tenham conseguido montar uma estrutura de marketing superior. Se tivermos sorte e paciência. Clássicos, ½ dúzia, provavelmente de livrinhos de bolso, se tanto; um ou dois de algum eterno ícone da juventude, com certeza, de bolso: um Rimbaud ou um Allen Ginsberg. Nem mesmo nos chamados balaios onde o povo se acotovela procurando as promoções, livros normalmente usados e chamados de “saldos”, não será fácil encontrar um bom livro de poemas: quando os têm na livraria, o livreiro não se dá ao trabalho de carregar um peso-morto para a feira. Na realidade, nem mesmo os poemas de Leminski. Às vezes, escondidos dentro da barraca haverão alguns outros, se você perguntar ao vendedor.
                Mesmo na seção internacional da Feira, das livrarias e editoras estrangeiras, você poderá encontrar (com dificuldade) algum clássico, nunca uma novidade, ou algo que se assemelhe a uma novidade. Dois casos exemplares: na “barraca” de uma editora portuguesa, cujo proprietário é poeta, o único livro de poesia para vender era um pesadíssimo tomo que parecia ser a sua obra completa. Já na “barraca” de outra editora, esta brasileira, pertencente a um neto de um famoso poeta, somente havia uma (belíssima) edição da obra do avô ilustre, provavelmente como forma de homenagem, além de um livrinho com o preço mais irrisório que encontrei, porque estava encalhado. Eu o teria distribuído gratuitamente.
                Tudo isto me faz pensar em um texto curto  escrito por Moacir Amancio, poeta, jornalista e professor de hebraico,  para o jornal O Estado de São Paulo e publicado posteriormente na revista eletrônica Germina: Um poeta critica a poesia. O título pode parecer um pouco “marqueteiro” também, coisas de jornal, porém é um relato e uma crítica muito informativa, daqueles que não costumamos encontrar nos grandes veículos de informação. Transcrevendo-o, o artigo começa assim: “Nova York — "Onde fica a seção de poesia?" A resposta do vendedor da livraria numa esquina da 5ª. Avenida: "Infelizmente não temos uma seção de poesia, a poesia aqui está na pior." Porque não vende, claro. "É, porque não vende. Aqui só tem espaço para o lixo popular."
                Tentando buscar um equivalente para um poeta tipo Allen Ginsberg, o poeta-ícone de uma época, “o mais vendido”, sem ironias, aquilo que Amancio chamou de “o poeta federal” dos EUA,  o nosso poeta-jornalista encontra-o não inserido nos meios de comunicação de massa, afirma que ele "está longe do noticiário, das fofocas literárias”, e que este se chama John Ashbery, nascido em 1927, 57 anos de idade quando  a crônica crítica foi publicada. No texto de Amancio encontra-se a seguinte pérola pronunciada por Ashbery: "Eu tenho sido descrito como o poeta americano de maior sucesso, mas a expressão poeta de sucesso parece contraditória, como uma capacidade negativa. A poesia parece envolver o fracasso, a celebração de uma situação falida".  Considerando que um autor como Stephen King, a cada livro, superava, então, a marca dos 500 mil exemplares e comparando-os com o números do premiadíssimo campeão de vendas da poesia norte-americana, o professor Amancio logo conclui que Ashbery seria um “outsider”. Sendo Ashbery um poeta considerado “difícil”,  “obscuro”, pouco compreendido pelo público, de fato, podemos chegar ao objetivo principal deste ensaio,  se a poesia hoje sobrevive em nichos, podendo ser considerada, toda ela, um trabalho marginal e (de certa forma,  já propusemos a pergunta), se em maior ou menor grau, porém falando primeiramente em Brasil, nos dias atuais,  a própria poesia não poderia ser adjetivada de marginal, por marginalizada na nossa cultura, pois está fora daquilo que Régis Bonvicino chamou, na entrevista que deu origem ao presente texto,  de “veículos mais institucionalizados – a televisão e o jornal - de informação”. Por outro lado, podemos livrar-nos de velhos complexos ditos tupiniquins, podendo observar que a falta de interesse do público pela poesia não é privilégio nosso, de um país onde grassa o analfabetismo funcional, também em graus variados, e em todas as classes sociais.  A mesma incapacidade de leitura e interpretação do texto poético também ocorre, ou ocorria, em nível elevado, como já vimos, nos EUA, país que já produziu e produz tantos poetas excelentes. Não foi Pound que publicou um poema, há muito tempo, então, mencionando um editor que aconselhava ao poeta parar de escrever poesia,  porque isto não era rentável? Não foi e.e. cummings que foi rejeitado por várias e várias editoras até conseguir sua primeira publicação?
                Em verdade, a poesia, quando muito, é lida pelos poetas, isto é uma antiga constatação minha referente ao Brasil, e que John Ashbery insinuou com relação à realidade de seu país também, em outro momento. Ou seria pouco lida apenas a poesia mais complexa que exigiria um leitor mais especializado? Aqui já descartando, é lógico, aqueles que se enquadram mais perfeitamente na categoria de analfabetos funcionais, e passamos a considerar que a poesia, desde que se pode afirmar que uma poesia moderna, com certeza elevada, conseguiu atingir um alto grau de sofisticação em suas linguagens, embora esta evolução não tenha sido acompanhado por uma população teoricamente alfabetizada, porém cada vez mais afeita a facilidades e comodidades e cada vez mais passiva.
                Podemos entrar aqui no pensamento sobre poética elaborado por Maiakóvski, de que o poeta não deveria rebaixar sua expressão à capacidade de compreensão de um receptor incapacitado, e de que “antes se deveria elevar a cultura do povo”.  Maiakóvski pensava, então, que a produção de poesia se opera em vários níveis para atingir a vários públicos; usa uma analogia com a produção e distribuição de energia elétrica, considerando que alguns poetas são “usinas”, enquanto outros seriam estações e subestações de uma rede. Tal pensamento equivaleria, mais ou menos, à idéia poundiana de que há poetas que são inventores, mestres, lançadores de moda, beletristas, bons escritores sem qualidades salientes  e,  enfim, os diluidores, conceito que aqui trataremos mais de perto.
                Nas palavras de Pound, diluidores, “Homens que vieram depois das duas primeiras espécies de escritor (inventores e mestres, aparte meu) e não foram capazes de realizar tão bem o trabalho”. Na ampla rede de distribuição de “energia poética” imaginada pelo anteriormente comentado poeta russo, naturalmente o conhecimento e a técnica daqueles que seriam “as usinas” (segundo Pound, inventores e mestres) vão sendo simplificados até poderem chegar ao povo: não há  alguma espécie de qualificação com um sentido pejorativo como aquele que Pound usa para os chamados “diluidores”. Ou seja, a diluição, para o russo, é vista como um processo perfeitamente natural em uma sociedade socialmente estratificada e demonstra, através de sua poesia, que tem consciência de que um poeta-usina, por não ter exatamente um público-alvo contemporâneo, a não ser alguns colegas próximos dele, pode estar escrevendo para gerações vindouras. Isto fica claro em poemas como “Incompreensível para as massas” e “A plenos pulmões”.
                Falando novamente em  John Ashbery, este afirma, conforme informação de Moacir Amancio ainda, que o mérito dos poetas da beat generation estaria “na liberação da poética norte-americana e na divulgação da poesia”. Quer dizer que o artista das letras passou, a partir do aparecimento dos beats, a ter maior liberdade para criar, libertando-se daquilo que havia se tornado um punhado de regras cerceantes desde Pound e Eliot, e na capacidade que a poesia beat teve de atingir um grande público, ou um público maior.
                No sentido usado por Ashbery , o da “divulgação da poesia”, voltamos ao fenômeno da poesia marginal dos 70 e 80, principalmente daquele grupo de poetas que ficou conhecido como a “Geração Mimeógrafo”.  Alguns dos poetas mais conhecidos da  chamada “Geração mimeógrafo”, se não todos, poderiam, sem dúvida, serem considerados meros diluidores no sentido expresso por Pound. Diluíram o modernismo de 22 e década de 30, utilizando-se do verso livre, da piada, do lugar comum, do dito popular, do quase slogan, mas sem mexer muito, sem inovar quase nada na estrutura sintática, produzindo algumas invenções, normalmente ingênuas, e geralmente no tocante ao léxico. Provavelmente podemos afirmar sem muitas objeções que o modernismo de 22 e seus imediatos desenvolvimentos, que tiveram o seu fim (ou uma interrupção) quando se iniciou a chamada 3ª Geração do modernismo brasileiro (que de modernista em poesia não tem nada, mesmo podendo, logicamente, ser chamada de moderna,  não tendo mais do que dois ou três autores que poderiam usar o título de modernistas, mas que só podem ser incluídos nesta geração por razões cronológicas, como João Cabral e José Paulo Paes), podemos afirmar, dizíamos, que aquele primeiro e verdadeiro modernismo brasileiro  já era, no geral, diluição do trabalho das vanguardas européias, ou quase tão somente do espírito daquelas, já que algumas das suas novidades, como o verso livre e branco, já não eram novidade para a Europa desde, talvez, Laforgue, e para os EUA desde Walt Whitman. Portanto, a Geração Mimeógrafo poderia ser considerada uma diluição da diluição. Isto equivale a visualizar a longa cadeia de distribuição de “energia poética” se desenvolvendo através do tempo e da história, mantendo a analogia de Maiakóvski mas, seguindo ainda o raciocínio do poeta russo, não por este fato poderíamos dizer que a poesia daquela geração é “ruim”.  Ela, de fato, ao menos, não prestou um serviço ruim à Nação, tendo incluído na pauta de muitas conversas, mesmo que dispersas pelas ruas e bares, a tão marginalizada poesia. Está no mesmo pé que a Geração Beat nos EUA, pelo engendramento de um público e pela liberação da poesia de certas  regras, inclusive de algumas inovações que já haviam se institucionalizado como tal para alguns poeta e teóricos, o que abriu caminho para o último poeta brasileiro de grande apelo popular, Leminski, inovador da dureza concreta e aperfeiçoador da habitual “frouxidão” da Geração Mimeógrafo.

                À guisa de conclusão, se quisermos considerar a relação da palavra “marginalidade” com a palavra “poesia”, podemos afirmar que a marginalização não é um fenômeno novo entre os poetas, inclusive entre os bons poetas. Podemos dizer, na verdade, que a poesia maldita, ou a poesia “incompreendida pelas massas”, por exemplo, são duas formas comuns e antigas de poesia marginalizada, produzida por poetas marginalizados. A marginalização sempre houve para certa poesia.
                Na verdade, quando criticamos negativamente uma poesia por a considerarmos marginal, ou quando a criticamos por não poder atingir um grande público e estar restrita a “nichos”, estamos esquecendo e desprezando poetas como Fernando Pessoa, Rimbaud e Khlébnikov, que somente obtiveram reconhecimento de público depois de mortos, embora reconhecidos por alguns pares seus.
                Esquecemos que a comunicação é uma via de mão dupla, e que também a competência linguística do receptor interfere nesta. No caso destes  últimos autores citados no parágrafo anterior, todos nós podemos afirmar, hoje, à luz do tempo, que o problema na comunicação não provinha do emissor das mensagens, sendo Pessoa, agora, tomando-o como exemplo nosso, perfeitamente compreensível para qualquer leitor de língua portuguesa. Mesmo sendo considerado unanimemente um dos maiores poetas da língua portuguesa em todos tempos e tendo sido incompreendido pelo público do seu tempo.
                No nosso suposto boom da poesia via internet, há poetas para todos os leitores, inclusive poetas medíocres para leitores medíocres. E talvez, aí, possamos ainda encontrar um outro “supra-Camões”, que não seja o velho e sempre novo Pessoa.








REFERÊNCIAS

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_____________. Tantas Máscaras (Reconhecimento de uma Nova Poesia Brasileira).
Conferência apresentada no encontro "Declínio da Arte", em Florianópolis, promovido pela ABRALIC e por Raul Antelo.

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Willer, Claudio.  A segunda vanguarda. Fortaleza/ São Paulo: Agulha - Revista de cultura, nº 50, março/abril de 2006.

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