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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

2 poemas de Trilce, de César Vallejo, em tradução ao português de Adrian'dos Delima.

Trilce foi publicado en 1922, nas 
Oficinas Tipográficas da Penitenciária de Lima








Trilce e seus neoludismos descompreendidos

Ainda que Vallejo seja um desconhecido para muitos, há quem afirme que o poeta peruano foi um dos ou mesmo o maior poeta do mundo no século XX. Esta controvérsia à parte, as maiores das controvérsias com relação ao poeta de Trilce estão na interpretação dos textos daquela obra e, especialmente, dos seus neologismos e sua ortografia inovadora que poderia dispensar o prefixo orto no vocábulo. Já o título da obra é um neologismo polêmico, cuja significação exata não foi fixada por nenhum pensante de sua poesia. Talvez, nem pelo seu criador. Restam suposições e folclore. É, a meu ver, temerário traduzir o Vallejo de Trilce mais do que qualquer outro poeta de que eu tenha conhecimento. Talvez seja por isso que se encontra poucas traduções dos poemas daquela obra - não é diffícil apenas recriá-la, e sim compreendê-la, algumas palavras parecendo obscuras. Não pretendo aqui tecer grandes teorias a respeito da face mais radical do peruano, mas apenas justificar minhas escolhas na recriação do poema aqui apresentado. Mais uma vez busco a hiperliteralidade para não perder o sabor da língua e da língua particular do poeta, das analogias entre as palavras que parecem nunca se afastar, no todo do poema, de um mesmo campo semântico. 
No poema de número XIII, o autor explora a idéia sexo-gozo-fecundação-brotação-madurez ao longo de todo poema. Destacando, à princípio, um simples e mudo "h", que está colocado onde ele não deveria estar, ou criando um neologismo ali, não se sabe, ninguém pode afirmar nada. Poema que pareceria simples, poema complexo. Tema popularíssimo, escolhas que nos intrigam. 
No poema XIX, as dificuldades são menores. O neologismo usado é evidente "excrementir". O "h" mudo aparece causando estranhamento mais uma vez, mas não parece que "Hélpide" possa sugerir qualquer outro sentido sehão o de "Élpide, Elpis". Algum duplo sentido pode surgir, como no caso de "trastear", que parece apontar para um venddor ambulante embusteiro. Nada demais, mas muita inovação linguística. 
No meio de tanta confusão, surpreendentemente, em países de fala hispânica, Vallejo é um poeta muito influente e até popular. É que, sua linguagem e seu linguagear eram do, para e pelo povo. No entanto, todos nós, estudiosos, estamos desistindo de muitas conclusões a respeito destes seus poemas. Aqui, fizemos o melhor possível, no momento. Mesmo transformando o tabu em totem na presente fala, superamos tabus para aproximar Vallejo do leitor de língua portuguesa. Mas comecemos pelo XIX, totem menos tabu.





Trilce XIX

A trastear, Hélpide dulce, escampas,
cómo quedamos de tan quedarnos.  
Hoy vienes apenas me he levantado.  
El establo está divinamente meado 
y excrementido por la vaca inocente.
Penetra en la maría ecuménica.   
Oh sangabriel, haz que conciba el alma, 
el sin luz amor, el sin cielo,
lo más piedra, lo más nada,  
hasta la ilusión monarca. 
Quemaremos todas las naves!  
Quemaremos la última esencia! 
Mas si se ha de sufrir de mito a mito,
y a hablarme llegas masticando hielo, 
mastiquemos brasas,
ya no hay dónde bajar, 
ya no hay dónde subir. 
Se ha puesto el gallo incierto, hombre. 


 


*Nota: o poeta faz o uso do "h" mudo para uma palabra que não o possui, fato comum nos poemas de Vallejo: Élpide-Hélpide. Significa esperança em grego. Na mitologia grega, Élpide, Élpida, Elpis, Elpìdos. Do giego antigo (λπίς), deidade grega que personifica a esperança. Seu equivalente romano é a deusa Spes. Os gregos tinham sentimentos ambivalentes ou mesmo negativos sobre a esperança. Esta não tinha importância para estóicos e epicuristas.  

***  

Trilce XIX


 A trastejar, Hélpide doce, descampas,
 de que jeito ficamos de tão ficar-nos.
 Hoje vens agorinha que me levantei.
 O estábulo está divinamente mijado
 e excrementido pela vaca inocente.
 Penetra na maria ecumênica.
 Ó sãogabriel, faz que conceba a alma,
 o sem luz amor, o sem céu,
 o mais pedra, o mais nada,
 até a ilusão monarca.
 Vamos queimar todos os templos!
 Vamos queimar a última essência!
 Mas se se há de sofrer de mito em mito,
 e a falar tu me chegas mastigando gelo,
 mastiguemos brasas,
 já não tem onde baixar,
 já não tem onde subir.
 Se tornou em duvidoso o galo, cara.


Tradução Adrian'dos Delima 







 Trilce XIII
               
 Pienso en tu sexo.
 Simplificado el corazón, pienso en tu sexo,
 ante el hijar maduro del día.                 
 Palpo el botón de dicha, está en sazón.
 Y muere un sentimiento antiguo
 degenerado en seso.

 Pienso en tu sexo, surco más prolífico
 y armonioso que el vientre de la Sombra,
 aunque la Muerte concibe y pare
 de Dios mismo.

 Oh Conciencia,
 pienso, sí, en el bruto libre
 que goza donde quiere, donde puede.

 Oh, escándalo de miel de los crepúsculos.
 Oh, estruendo mudo.

 ¡Odumodneurtse!


Nota: "hijar" pode ser, simplesmente, a aplavra "ijar", literalmente, lombo, região lombar. porém, grafada com um "h" que nunca foi usado para o vocábulo. O uso de "h's" onde ele nunca existiu é bastante comum nos poemas de trilce. "Hijar" com "h" sugere "hijo" (filho), ou "hijear" (brotar, dar "filhos"). Poderia também sugerir uma evolução do verbo "fijar", que perdeu o "f" e ganhou um "h" mudo, como em "fijo-hijo" e "fierro-hierro".




 Trilce XIII

 Penso em teu sexo.
 Simplificado o coração, penso em teu sexo
 ante ho filhombo maduro do dia.                    
 Apalpo o botão de felicidade, está na estação.
 E morre um sentimento antigo  
 degenerado em senso.

 Penso em teu sexo, sulco mais prolífico
 e harmonioso que o ventre da Sombra,
 se bem que a Morte concebe e pare
 de Deus em si.

 OhH Consciência
 penso, sim, no bruto livre
 que goza onde quer, onde pode.

 OhH, escândalo de mel dos crepúsculos.
 OhH estrondo mudo.

 Odumodnortse!


 Tradução Adrian'dos Delima


*


Notas sobra recriação:  
*A palavra "hijar" termina por ter um grande destaque por força do “erro”, nunca foi escrita com "h". "Ijar" não tem h. Significa lombo. Porém, escrito com "h" sugere muitos outros “significados”: hijear (=filhar=dar brotos, “filhos”); fijar-hijar (por uma suposta evolução da palavra, como no caso de fierro-hierro). O "h" onde nunca houve é comum em textos de Vallejo. Bem como o uso dobrado da letra h. Neste caso, porém, optamos por fazer associar o uso do "h" com a idéia de “estrondo mudo”, “o escândalo de mel dos crepúsculos”, que vai aparecer no final do poema. Para dar o destaque e estranhamento causado por "hijar",  pensamos em “ha filharga” como um possível equivalente de “el hijar”, o artigo "o" somado a um impossível "h", combinado com o neologismo "filharga" (de filho ou filhar justaposto a "ilharga"). Colocaríamos, assim, em pleno destaque naquele ponto do texto o "h" mudo. Justificaríamos o uso de "ilharga" (flanco do dorso) em vez de "lombo" pelo som,  maior semelhança com o som do original "hijar", mais "legível" sonoramente. Estaríamos, porém, criando um falso cognato. Optamos, ao  fim, para manter a coerência com a nossa proposta de hiperliteralidade, pelo uso de "ho filhombo", mais próximo em termos semânticos.
*Outra opção temerária do tradutor foi uso de "está na estação" (linha 4). O sentido exato do vocábulo origina "sazón" seria o do próprio vocábulo cognato "sazão", que é muito "dicionarístico", pouco frequente no português. Traduções literais, porém não hiperliterais, verteriam "está en sazón", uma locução por algo do tipo "está no ponto", ou, menos criativamente, "está no momento, na hora, na ocasião". Fico próximo de "sazón"(tempo de colheita), usando "estação", que me me parece bastante compreensível em português e fiel à idéia do original. O pouco uso da palavra "sazão" e a intenção de me manter próximo do sentido original ali, mas também do campo semântico que aparece ao longo do poema me levaram a esta escolha, não optando por "no ponto", "na ocasião", etc. Também pesou aqui o esqueleto fonético do poema, parco, e por isso não pude deixar de observar a relação sonora e gráfica entre sexo-sazón-seso, exatamente nos finais de três versos. 

César Vallejo, nome de time de futebol.


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