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Muita arte na rede Ello:

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Samuel Beckett, poema, traduzido por Adrian'dos Delima


1. Dieppe*


encore le dernier reflux
le galet mort
le demi-tour puis les pas
vers les vieilles lumières

2.

je suis ce cours de sable qui glisse
entre le galet et la dune
la pluie d’été pleut sur ma vie
sur moi ma vie qui me fuit me poursuit
et finira le jour de son commencement

cher instant je te vois
dans ce rideau de brume qui recule
où je n’aurai plus à fouler ces longs seuils mouvants
et vivrai le temps d’une porte
qui s’ouvre et se referme

3.

que ferais-je sans ce monde sans visage sans questions
où être ne dure qu’un instant où chaque instant
verse dans le vide dans l’oubli d’avoir été
sans cette onde où à la fin
corps et ombre ensemble s’engloutissent
que ferais-je sans ce silence gouffre des murmures
haletant furieux vers le secours vers l’amour
sans ce ciel qui s’élève
sur la poussière de ses lests

que ferais-je je ferais comme hier comme aujourd’hui
regardant par mon hublot si je ne suis pas seul
à errer et à virer loin de toute vie
dans un espace pantin
sans voix parmi les voix
enfermées avec moi

4.

je voudrais que mon amour meure
qu’il pleuve sur le cimetière
et les ruelles où je vais
pleurant celle qui crut m’aimer

texto original, por Beckett
Samuel Beckett (1906-1989) – Poèmes, suivis de Mirlitonnades – Editions de Minuit

***

1. Dieppe

again the last ebb
the dead shingle
the turning then the steps
toward the lighted town

2.

my way is in the sand flowing
between the shingle and the dune
the summer rain rains on my life
on me my life harrying fleeing
to its beginning to tis end

my peace is there in the receding mist
when I may cease from treading these long shifting thresholds
and live the space of a door
that opens and shuts


3.

what would I do without this world faceless incurious
where to be lasts but an instant where every instant
spills in the void the ignorance of having been
without this wave where in the end
body and shadow together are engulfed
what would I do without this silence where the murmurs die
the pantings the frenzies toward succour towards love
without this sky that soars
above it's ballast dust

what would I do what I did yesterday and the day before
peering out of my deadlight looking for another
wandering like me eddying far from all the living
in a convulsive space
among the voices voiceless
that throng my hiddenness


4.

I would like my love to die
and the rain to be falling on the graveyard
and on me walking the streets
mourning the first and last to love me

versão em inglês do autor, Beckett

Three Occasional PiecesBECKETTSAMUEL. London: Faber & Faber1982 

***

1. Dieppe

de novo o último refluxo
os pedregulhos mortos
a meia-volta e após as escalas
rumo à antiga iluminação

2.

eu sou aquele curso de areia que passa
entre o cascalho e a duna
a chuva do verão chove sobre minha vida
sobre mim minha vida me vai me caça
e termina no dia da sua iniciação

momento querido eu te vejo
nesta cortina de névoa que desmancha
quando eu já não piso nestas longas soleiras movediças
e vivo o tempo de uma porta
que se abre e se fecha

3.

o que eu faria deste mundo sem rosto sem perguntas
onde ser não dura mais que um instante onde cada instante
flui pelo vazio o esquecimento de ter sido
sem esta onda onde no fim
corpo e sombra juntos são tragados
o que eu faria sem este silêncio garganta dos murmúrios
ofegando furiosos para o salvamento para o amor
sem este céu que se eleva
da poeira do seu lastro

o que eu faria eu faria como ontem e como hoje
cuidando pela minha janela se eu não estou
a passear e a virar pra longe de toda a vida
dentro de um espaço fantoche
sem voz entre as vozes
trancadas aqui comigo


4.

eu quero que o meu amor morra
que ele chova sobre o cemitério
e ruelas em que eu vá
lamentando a que pensou me amar 



Tradução do original francês ao português, cotejando com a versão em inglês, um tanto diferente do texto de partida, 

Adrian'dos Delima 



*Dieppe, comuna francesa à beira mar.

domingo, 10 de abril de 2011

Blaise Cendrars, em tradução de José Machado Sobrinho


Blaise Cendrars 


ÁGUAS DE PORTUGAL
Sur les Côtes du Portugal

Do Havre optamos por seguir a rota dos antigos navegantes
Espaçosamente o mar de Portugal é coberto de barcos e pesqueiros
É de um azul contínuo e de pelágica transparência
O tempo é claro e quente
Estala o sol de cheio
Inumeráveis algas verdes microscópicas vêm à tona
Produzem alimentos que lhes facilitam uma imediata proliferação
São inexaurível sustento para a legião de infusórios e as delicadas larvas marinhas
Animais de toda espécie
Vermes estrelas e ouriços-do-mar
Crustáceos miúdos
Mundinho efervescente à superfície das águas de escancarada claridade
Gulosos e esganados
Chegam os arenques as sardinhas as cavalas
Atrás deles tainhas atuns bonitos
A que sucedem os cações marsuínos e delfins
O tempo é claro a pesca propícia
Quando o tempo se nubla os pescadores ficam mal-humorados e fazem chegar seu protesto até a tribuna do parlamento


A BORDO DO FORMOSA
À bord du Formose

Céu sinistro estriado de faixas leprosas
Água turva
Estrelas graúdas se desmancham como círios chorosos
A bordo é o seguinte

No castelo de popa quatro russos se alojaram sobre um rolo de cordames e jogam baralho à luz de uma lanterna veneziana
Abaixo judeus em minoria como entre eles na polônia se empinhocam e dão passagem aos espanhóis que tocam bandolins cantam e dançam a jota
Na torre emigrantes portugueses dançam o arromba um negro bate duas compridas castanholas de osso e os pares saem da roda avançam e retornam batendo o calcanhar enquanto uma estridente voz de mulher soa
Os passageiros da primeira classe assistindo a quase tudo desprestigiam esses folguedos
Ao salão um nojo uma alemã sebosa toca um violino e dodói um cu uma francesinha a acompanha ao piano
Ao corredor do convés um russo misterioso oficial da guarda grão-duque incógnito personagem à la Dostoievski que eu apelidei de Dobro-vétcher vai e vem é um menino infeliz esta noite e afeta um nervosismo calçou escarpins envernizados um traje meio basco e um chapelão-coco igual meu pai numa foto em 1895
No fumoir jogam dominó um jovem médico que se assemelha a Jules Romains e rala no alto Sudão um armeiro belga que descerá em Pernambuco um holandês a testa fendida em dois hemisférios por uma cicatriz profunda ele é diretor do Montepio de Santiago do Chile e uma sirigaita de Ménilmontant povinho malandro chegado a trambiques de carro ela me oferece até uma mina de chumbo no Brasil e um poço de petróleo em Baku
Na torre posterior os emigrantes alemães muito asseados e severamente penteados cantam com suas mulheres e filhos graves cânticos e canções sentimentais
No segundo convés discute-se muito e se pragueja em todas as línguas do Leste europeu
Na despensa os bordaleses carteiam a manilha e em seu posto o operador do TSF xinga regado a Santander e a um bom Mogador

GORÉE
Gorée

Um castelo forte mediterrâneo
E atrás uma ilhota plana ruínas portuguesas e bangalôs de um amarelo muito comum nas passarelas de moda de outono
Neste antigo esconderijo de negreiros só moram funcionários coloniais que não se animam a mudar para Dakar onde como em todo lugar aflige a crise dos aluguéis
Visitei as antigas masmorras cravadas na rocha basaltina onde até hoje são vistas correntes e grilhetas que prendiam os escravos
Árias de gramofone precipitavam profundeza abaixo


BUBUS
Les Boubous

Oh estas negras misturadas aos traficantes que a gente encontra perto da aldeia a manusear o percal do tráfico
Mulher nenhuma no mundo tem esta distinção nobreza este andar este dengo este porte esta elegância esta manemolência este requinte esta limpeza este asseio esta saúde este otimismo esta inconsciência esta juventude este capricho
Nem a inglesa aristocrata no Hydepark cedo
Nem a espanhola passeando domingo à tarde
Nem a bela romana do Pincio
Nem as mais singelas camponesas da Hungria ou da Armênia
Nem a sofisticada princesa russa outrora em seu trenó no cais de Neva
Nem a chinesa numa gôndola de flores
Nem as sexy datilógrafas de Nova York
Nem a mais parisiense de todas as parisienses
Permita Deus que pela minha vida afora algumas daquelas imagens entrevistas povoem meu pensamento

Cada mecha de seus cabelos é uma pequena trança de tamanho igual untado penteado e lustroso
No alto da cabeça elas trazem um adorno de couro ou marfim preso por fios de seda multicor ou por coroinhas de pérolas vivas
Este penteado implica horas e horas de trabalho que elas passam a vida a fazer e refazer
Um brinco de moedinhas de ouro fura a cartilagem das orelhas
Algumas têm uns riscos coloridos no rosto sob os olhos no pescoço e todas se maquiam com uma arte fabulosa
Suas mãos são repletas de anéis pulseiras braceletes com todas as unhas pintadas e igualmente a palma da mão
Uma rude armila de prata soa em seus tornozelos e os dedos dos pés também carregam anéis
O calcanhar é pintado de azul
Elas usam bubus de diversos tamanhos vestindo uns por cima dos outros confeccionados de cor e bordados variados elas chegam a estampar um conjunto incrível de bom gosto onde o laranja o azul o ouro o branco predominam
Usam também cintos e grandes figas
Outros diversos turbantes celestes
O seu bem mais precioso são os dentes impecáveis que elas mantém conforme se conservam os metais de um iate de luxo
O seu gingar sestroso confunde assim com um veleiro
Nada porém pode exprimir o requebro e a malícia intencional do flexível molejo dessas cinturas


MICTÓRIO
Mictorio

O mictório é o W.C. da estação
Examino sempre com curiosidade este lugar quando visito um novo país
Estes lugares da estação de Santos são um cubículo onde uma baita gamela que me lembra as grandes talhas nas vinhas de Provença onde uma baita terrina até o pescoço está enterrada no chão
Uma grossa rodela de madeira preta larga e espessa acompanhando as beiras serve de assento
Isso deve ser bem desconfortável e muito baixo
É exatamente o oposto dos tinotes da Bastilha que ficam empoleirados no alto


MÁ FÉ
Mauvaise Foi

Este bendito mordomo a quem apesar de tudo dei uma gorda gorjeta pra não deixar ninguém me amolar
A convite do comandante vem me procurar com seu ar de gato bandido
Me solicita que eu ocupe um lugar de honra à mesa
Fico p. da vida mas não posso recusar
Ao jantar sinto que o comandante é um homem bem simpático
Me instalo entre o adido da embaixada em Haia e um cônsul inglês em Estocolmo
Doutro lado há um sumidade mundial em bacteriologia e sua doce esposa esganada e branquela de olhos mates e redondos
Meus paradoxos antimusicais e teorias culinárias sacodem a mesa numa indignação geral
O adido em Haia precipita seu monóculo na sopa
O cônsul em Estocolmo se desfigura em verde-congestão como um pijama listrado
O sumidade bacteriológica espicha ainda sua pontuda cabeça de furão
Sua esposa matraca e retrai de fora pra dentro tão bem que sua cara acaba por parecer um umbigo de boneco de mola
O comandante pisca maliciosamente


REVELAÇÃO
Incognito Devoilé

Já fazia dias que eu intrigava meus parceiros de mesa
Eles tentavam adivinhar o que eu era
Eu falava de bacteriologia com o sumidade mundial
De mulheres e cabarés com o comandante
Teorias kantianas da paz com o adido em Haia
Negócios de fretes com o cônsul inglês
Paris cinema música banco vitalismo aviação
Esta noite ao cumprimentá-la a mulher do sumidade mundial disse É verdade
O senhor é poeta
Com a breca!
Quem lhe contou foi a mulher do jóquei que viaja de segunda classe
Não lhe pude contrariar pois seu sorriso em forma de umbigo comilão me diverte mais que tudo no mundo
Eu queria muito saber como ela consegue franzir um rosto glutão e bochechudo


AMAS-SECAS E ESPORTES
Nourrices et Sports

Há diversas amas-secas a bordo
Secas e não tão secas assim
Quando se joga malha ao convés
Cada vez que a jovem alemã se debruça ao fundo do corpete saltam dois seiozinhos sapecas
Todos os homens da primeira classe aos matalotes conhecem este jogo e passam a bombordo pelo convés pra apreciar estas duas coisinhas redondas no ninho
Deve-se comentar isto até na despensa
Na ponta de um banco
Num cantinho isolado
Uma criança de peito se dependura e chucha a esguichar o grande seio de uma negra abundante e gomoso como uma penca de bananas


Tradução de José Machaddo Sobrinho


 

Poema de Marco Valério Marcial (Tradução de Jorge de Sena)

VI, 23 - CONTRA LÉSBIA

Que eu esteja sempre de pau feito queres,
Lésbia, mas crê que membro não é dedo.
Co'a mão, co'a voz, tu docemente insistes,
E contra ti teu rosto não perdoa.




Tradução Jorge de Sena